FOLHA DE SP - 25/05
A ocupação econômica parece ter separado o Brasil novamente com outra linha imaginária, o paralelo 16 Sul
Nos primeiros tempos de nossa história, um meridiano concebido pelos homens --o meridiano de Tordesilhas-- quis dividir nosso país em dois mundos diferentes.
Mas a obra dos reis não conseguiu separar os brasileiros que, nas inesquecíveis palavras de Tancredo Neves, empurraram com o seu peito a linha imaginária até onde eles julgaram ser terra brasileira.
Séculos depois, a ocupação econômica efetiva do nosso território parece ter separado novamente o Brasil com outra linha imaginária: o paralelo 16 Sul.
Abaixo dela, prosperaram as cidades, multiplicaram-se as indústrias e implantou-se um extenso sistema de infraestrutura, com rodovias, ferrovias, energia e portos.
Acima, com exceção da faixa costeira do Nordeste brasileiro, uma vasta extensão de terras restou quase intocada.
Mais uma vez, os brasileiros não se curvaram frente ao destino que lhes impunha a linha imaginária.
Cruzaram-na com energia, construindo a partir do nada um vigoroso sistema de produção.
Hoje, esse espaço já produz 80,3 milhões de toneladas de soja e milho --mais da metade da produção nacional, embora nosso sistema logístico continue funcionando como se o Brasil só existisse ao sul daquele paralelo.
Essa anomalia faz com que 86% dos grãos produzidos no Mato Grosso, Goiás, Tocantins, oeste da Bahia e sul do Maranhão e do Piauí sejam exportados a partir dos portos de Santos, Paranaguá, São Francisco do Sul e Vitória.
Depois de percorrer mais de 2.000 km de estradas precárias, essa carga ainda fica presa no tráfego das cidades portuárias por dias. Um triste espetáculo que se repete a cada ano e faz com que a tão produtiva agricultura brasileira perca renda e competitividade.
Enquanto a maior parte da nossa produção estava localizada no sul do país, próxima dos portos do Sul e Sudeste, o custo do transporte da fazenda ao porto era de US$ 28 a tonelada.
O dobro dos US$ 14 registrados na Argentina e dos US$ 15 dos Estados Unidos.
Mas, isso, no ano de 2003.
Passada uma década, a situação agravou-se. Com a transferência da produção para o Norte, o custo Brasil do transporte subiu para incríveis US$ 85 a tonelada, contra US$ 23 dos Estados Unidos e US$ 20 da Argentina.
É de se lamentar, pois o alto custo logístico subtrai renda do produtor, uma vez que o preço final é fixado pelo mercado global.
Isso não é aceitável e não pode continuar, porque o abastecimento do mercado internacional de soja e milho será feito, de forma crescente, pelo Arco Norte do Brasil.
A produção do Sul, por sua vez, estará cada vez mais comprometida com os imensos plantéis de suínos e aves. Afinal, o país já é o maior exportador mundial de frango.
E o que se produz acima do paralelo 16 poderá ser exportado por vários terminais que já estão em construção nos sistemas portuários de Belém e São Luiz.
As saídas do Arco Norte economizarão entre 500 e mil quilômetros de fretes terrestres.
Os portos dessa região respondem por apenas 14% das exportações do país devido à carência de infraestrutura e de acessos por rodovia, ferrovia ou hidrovia.
Mas vem aí um complexo intermodal que inclui estradas federais e três hidrovias (do Madeira, Teles-Pires Tapajós e Tocantins), além da ferrovia Norte-Sul com seus dois braços (o Fiol, que vai até Ilhéus e o Fico, até Mato Grosso).
Com esses três novos corredores rodohidroferroviários, teremos uma economia em torno de 30% no custo do frete. E os novos portos têm a vantagem adicional de acesso ao canal do Panamá, reduzindo o trajeto marítimo até a Ásia, principal destino dessas exportações.
Essa nova infraestrutura portuária vai reconfigurar a geografia do Brasil, completando a heroica ocupação iniciada pelos primeiros agricultores que descobriram de fato nosso país, como os bandeirantes no passado.
É claro que isso só está se tornando possível pela presença da iniciativa privada.
Mas ainda há quem queira que portos sejam exclusividade do Estado e privilégio de dois ou três grupos econômicos!
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