FOLHA DE SP - 25/05
Nos blogs dos estrangeiros que moram no Brasil, o sofrimento de quem tenta entender o país
D. se mandou da Califórnia por amor. Despencou em "Caipirópolis", depois viveu numa cidade feia de praia, hoje mora em algum ponto próspero do interior paulista, onde encontra até comida coreana.
G., irlandês, vive no Recife. Adepto do realismo fantástico, escreve minicontos em que expressa seu desgosto diante da realidade local. "Como o ponto decimal arruinou o Brasil" é sua obra mais recente.
C. também mora numa capital, Florianópolis. Algumas vezes, ele reclama do Brasil. Em outras, também. Californiano, surfista, ele se expressa com ambiguidade. Seus textos são amargurados; suas fotos, só alegria: um mundo de camisas abertas no peito e índices muito baixos de gordura corporal.
M. está no interior de Minas. Faz parte de uma onda muito recente, muito específica e muito interessante de imigrantes: a das americanas que se casaram com mineiros na região de Boston, e agora acompanham seus maridos que decidiram voltar ao Brasil.
Sigo as vidas de D., G., C. e M. Os quatro têm blogs. Seus diários on-line, claro, são públicos. Mas, talvez por escreverem em inglês, percebe-se que os autores não imaginam ser lidos no Brasil. Eles se dirigem aos amigos e parentes "back home", desabafo e desilusão são os sentimentos mais comuns.
De todos, D. é quem mais pratica a tolerância e, por que não dizer, o relativismo cultural. Formada em linguística pela excelente Universidade da Califórnia em Berkeley, ela vem do ambiente onde o politicamente correto foi inventado. Ainda bem. Só assim para sobreviver ao choque.
D. ensinava inglês em San Francisco quando conheceu um aluno brasileiro, estudante de medicina no interior de São Paulo. O curso de inglês era curto, o namorado logo voltou ao Brasil. Pouco depois, ela veio atrás. Só que a cidade onde o rapaz fazia faculdade era um pouco menos que nada. D. apelidou o lugar, carinhosamente, de "Caipirópolis".
Depois de formado, o garotão arrumou emprego no litoral. D. postou algumas fotos do novo apartamento, que dava vista para uma parede. Os vizinhos tinham o curioso hábito de atirar lixo pela janela.
Agora, ele faz residência médica em uma cidade do interior mais rica e menos morta, que D. chama de Springfieldee (brincadeira com a fictícia Springfield, dos Simpsons). A californiana tolerante, finalmente, se sente mais em casa.
O mesmo não se pode dizer de G., o irlandês do Recife. Seus posts semificcionais, de humor ácido, mostram que ele se sente em um pesadelo sem fim.
Na apresentação do blog, de 2012, G. cospe fogo: "Vivo no Recife há quase dois anos, e essa cidade me enlouquece. É suja. Sinto que, pelo fato de nada funcionar, me tornei uma pessoa mais rude (...) Tento descrever como é morar numa cidade em que nada faz muito sentido".
Também não faz muito sentido o blog de C., o surfista californiano de Floripa. Ele é, digamos, o menos intelectual da turma. Empresário, veio ao país para abrir restaurantes. "Viver no Brasil pode levar qualquer homem normal à insanidade", decreta.
Diatribes contra a burocracia e a corrupção brasileiras são os temas dominantes. O tom em geral é tão amargo que eu nem prestava atenção nas fotos. Imaginava serem imagens genéricas do Google.
Até que notei um sujeito atlético e sempre sorridente em todas elas. Era C.! Surfando, curtindo em um iate, em festas maravilhosas, depois em festas mais maravilhosas ainda, com mulheres espetaculares, depois com mulheres mais espetaculares ainda, na praia com uma namorada de interromper o tráfego aéreo... E ele ainda reclama.
Bem menos glamourosa é a vida de M., a americana que acompanhou o marido brasileiro na volta ao interior de Minas. Com a ética protestante de trabalho em nível máximo, ela se atribuiu como missão consertar o sítio abandonado da família.
O fato de os próprios sogros costumarem jogar garrafas, latas e sapatos velhos nos jardins que ela havia acabado de arrumar não ajudava muito, mas M. se manteve firme. Até passou a vender os produtos do sítio na feira livre, depois de negociar o ponto com um tal de Miro.
Desculpe não entregar os endereços dos blogs. Como disse, sinto que os autores escrevem só para os mais chegados. Mas, com as dicas deste texto, é possível achá-los na web. Os mais interessados chegarão lá. Confio nessa seleção natural.
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