FOLHA DE SP - 16/05
As indicações são de que o governo vai desistir de mudar o ICMS, no que faz bem
A dificuldade de reformar o ICMS é uma evidência do quão complexo é, numa jovem democracia como a brasileira, viabilizar um projeto visando ao desenvolvimento e à redução das disparidades regionais. Os mecanismos do ICMS são intrincados. Tento explicar o essencial. Para tanto, recorri à ajuda de minha colega economista Erika Araújo.
O ICMS é um tributo estadual cuja divisão da arrecadação, quando uma transação comercial é feita entre diferentes Estados, obedece a um princípio misto de origem e destino. O Estado onde ocorre o consumo cobra a diferença entre a alíquota total do ICMS (o padrão é 17%) e o valor cobrado na origem.
Hoje, o tributo na origem é 12%, ficando 5% para o Estado de destino. A exceção é quando a venda é feita de um Estado do Sul/Sudeste, fora o Espírito Santo, para outro localizado nas demais regiões, em que a tributação na origem é de 7%.
A guerra fiscal ocorre pela concessão unilateral de isenções tributárias, que são ilegais, pois precisam da aprovação de todos os Estados. Para atrair investimentos, um Estado oferece à empresa o direito ao crédito de um tributo que não recolheu na origem. Assim, é dada uma vantagem em relação aos concorrentes no Estado de destino, o que permite reduzir preços e/ou elevar as margens de lucro.
A generalização da guerra fiscal --que não é feita só pelos Estados menos industrializados-- fez com que todos perdessem arrecadação.
Para se defender, cada Estado passou a reagir isoladamente, glosando créditos indevidamente concedidos na origem. Porém essas glosas viram disputas judiciais, criando uma incerteza que pode prejudicar novos investimentos.
O STF tem decidido pela ilegalidade de isenções unilaterais, mas em geral elas são recriadas com outros nomes. Uma súmula vinculante pode ser estabelecida.
Para mitigar o problema, o governo editou a MP 599, que, ao gradualmente reduzir as alíquotas de origem até se unificarem em 4%, diminuiria o espaço da guerra fiscal. E foram previstos dois fundos para os Estados --um para compensação de receitas e outro de desenvolvimento regional --, que em 20 anos podem consumir R$ 400 bilhões.
A MP apontou na direção certa. Mas houve problemas. Ela não tratou do acúmulo de créditos que tende a ser gerado pela redução das alíquotas de origem, algo que a limitação do espaço não permitirá tratar. Mais importante, é problemático ter mantido a alíquota de origem da Zona Franca de Manaus (ZFM) em 12%.
Valeria a pena uma empresa de eletrônicos transferir sua produção para a ZFM, elevar as compras externas de insumos, que contam com isenção do imposto de importação e também poderão contar com até 12% de redução do ICMS que o Estado do Amazonas terá a chance de continuar concedendo.
O Senado ainda mudou a proposta da MP: nas vendas para o Sul e o Sudeste, a alíquota de origem nos Estados das demais regiões cairia apenas até 7%. Ademais, algumas cidades de Estados do Norte também manteriam a alíquota de 12%.
Não basta reduzir as alíquotas de origem. Sem eliminar as diferenças entre elas --até ampliando-as em alguns casos--, é difícil acabar com a guerra fiscal. O governo federal ainda tem que arcar com a compensação aos Estados. É provável que cresçam as distorções provocadas pelo ICMS.
Por isso, as indicações são de que o governo vai desistir de mudar o ICMS, no que faz bem. Mas o problema da guerra fiscal persiste.
Sua tragédia é que, em vez de ser uma forma de reduzir o desequilíbrio produtivo regional, seu pretenso objetivo inicial e condição crucial para o Brasil se tornar desenvolvido, ela tem tido o efeito oposto: perda fiscal generalizada, mais burocracia, incerteza jurídica, desincentivo ao investimento e esvaziamento das cadeias produtivas.
A inclusão social recente deveria ser uma alavanca para reduzir disparidades produtivas regionais. Hoje, investir no Nordeste, por exemplo, é algo que o mercado exige da estratégia de muitas empresas.
Entretanto, falta alinhar um projeto de industrialização, que faça o crescimento do consumo ser mais bem aproveitado pela indústria nacional. Se seus estímulos em boa parte vazam para as importações, o investimento escasso faz os Estados continuarem numa disputa federativa pouco dinâmica e fratricida, que nem a oferta de compensação financeira pela União é capaz de conter.
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