O GLOBO - 06/05
Segundo o senador Pedro Simon, “vivemos atualmente um regime anárquico em termos de produção legislativa”, numa referência a matérias aprovadas no Congresso, produto de maiorias eventuais que “votam o que bem entendem”. O senador propôs a retomada de um costume vigente no governo Itamar Franco, “em que se realizavam mensalmente reuniões das quais participavam representantes dos três Poderes”, o que prevenia o surgimento de crises entre essas instâncias.
Seria simpático, e certamente útil. Mas para que isso acontecesse seria preciso uma certa boa vontade básica que, neste momento, não está muito em evidência. Pelo contrário: o atrito entre poderes vem de um ambiente marcado pelo inconformismo dos que sentem na pele o julgamento do mensalão. É esse inconformismo que procura, agora, turvar o funcionamento das instituições. A já famosa PEC 33 propõe-se, por exemplo, a “resgatar o valor da soberania popular e a dignidade da lei aprovada pelos representantes legítimos do povo, ameaçadas pela postura ativista e usurpadora do Supremo Tribunal Federal”.
Tenta-se, assim, solapar a autoridade do STF sob o argumento de que ele estaria, em relação ao Congresso, mais longe da “soberania popular”, já que seus membros não surgem de eleições diretas.
É o sonho da “democracia direta”, de que participam países como a Venezuela e a Argentina.
Os membros do Supremo, entretanto, não são menos legítimos por não surgirem do voto direto: são escolhidos pelo presidente da República, que é fruto do voto popular, e referendados pelo Senado,que tem a mesma origem. São pessoas mais velhas, “de ilibada reputação e saber jurídico”, o que as torna mais aptas para a função que exercem: a de serem a cúpula do sistema judiciário.
O fato de não surgirem de votação direta significa uma liberdade maior em relação a correntes de opinião. Quando se tenta a democracia direta,tudo passa a depender da paixão política e da arregimentação partidária. Isso não combina com uma certa frieza de julgamento que é o que se espera da cúpula do Poder Judiciário.
Por serem pessoas ilustres, que já não precisam fazer propaganda de si mesmas, os membros do Supremo não se curvam facilmente a injunções e partidarismos. Assim se viu o julgamento do mensalão transcorrer a boa distância das filiações partidárias ou lealdades políticas, embora a vasta maioria de seus membros tenha chegado à função por indicação do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff.
Um outro aspecto da “democracia direta” é que ela traduz um determinado momento da opinião pública. Mas é função do Supremo, justamente, defender o direito mesmo quando ele esteja no lado mais fraco da balança. Por isso ele não pode estar sujeito à “voz das multidões”.
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