O Estado de S.Paulo - 01/04
O uso de manobras contábeis pelo governo federal para a obtenção de um superávit primário mais aceitável já se tornou costumeiro, mas esse "truque" pode estar sendo levado longe demais. No ano passado, para cumprir a meta reduzida de 2,38% do PIB - a meta anterior era de 3,1% -, o governo utilizou R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano e se apropriou antecipadamente de parte dos R$ 28 bilhões de dividendos das empresas estatais, alegando que, para isso, há previsão legal. Pode ser, mas, no caso dos dividendos, eles devem ser pagos de acordo com os lucros apurados de forma confiável, o que não ocorreu, pelo menos com relação ao balanço do BNDES do segundo semestre de 2012.
Na ânsia de fazer a conta chegar ao resultado prometido, o Conselho Monetário Nacional, às vésperas da virada do ano, permitiu que o BNDES lançasse em seu balanço um quarto das ações que possuía em carteira sem atualizar o seu valor de referência, isto é, sem levar em conta as grandes oscilações das cotações desses papéis no mercado. Isso inflou o lucro do BNDES em R$ 2,38 bilhões, o que foi útil para o governo, mas pode ter consequências negativas para a instituição. Essa prática lança dúvidas sobre a correção de seu balanço e pode limitar a sua capacidade de captar recursos no exterior. Com o mercado externo menos acessível, o Tesouro Nacional poderá ser obrigado a repassar um volume ainda maior de recursos para a instituição, que no ano passado recebeu nada menos do que R$ 55 bilhões.
O truque não passou despercebido pela auditora independente, que, em seu parecer sobre o balanço do banco, fez constar uma ressalva sobre essa forma de contabilização desigual do valor das ações. De fato, os lançamentos deveriam obedecer a um só critério, de acordo com os padrões contábeis internacionalmente aceitos, isto é, todas as ações que representam participação do banco em outras empresas deveriam ser lançadas pelo seu valor de mercado no momento de fechamento do balanço, independentemente da oscilação de suas cotações. A abertura de exceção para que um quarto dos papéis seja contabilizado de outra maneira é inteiramente discrepante das melhores práticas contábeis.
Não por acaso, as ações contabilizadas de "forma especial" são as mais afetadas pela desvalorização das cotações na Bovespa. Com a duplicidade de critérios, o banco pode pagar mais dividendos ao Tesouro, engordando o superávit primário.
Essas circunstâncias foram levadas em conta pela agência de classificação de risco Moody's, que rebaixou a nota do BNDES e do BNDESPar em dois degraus, passando-a de A3 para Baa2. Como motivos para sua decisão, a Moody's mencionou a "deterioração da qualidade de crédito intrínseca e, particularmente, o enfraquecimento de suas posições de capital de nível l". Essas razões podem ser discutíveis, mas inegavelmente criam um obstáculo à tomada de crédito no mercado internacional.
Procurado pela reportagem do Estado, o BNDES, por meio de sua assessoria de imprensa, negou que a ressalva feita pela auditora independente represente "qualquer impedimento para a emissão externa". O banco afirma ainda ser o "emissor brasileiro com melhores condições de custos, após o governo brasileiro". Como o BNDES não realizou qualquer operação no mercado externo em 2012, não dá para ter comprovação prática disso.
Fontes do mercado e do próprio governo admitem que a maquiagem do balanço torna mais difícil a colocação de papéis do BNDES. Além disso, há restrições regulamentares que investidores institucionais, como fundos de pensão, devem obedecer para a aquisição de papéis de instituições cujos resultados sejam colocados em dúvida.
Ainda que os obstáculos venham a ser superados em negociações com investidores externos, o custo para o banco tende a ser maior. O mais lamentável em tudo isso é a ligeireza e a irresponsabilidade com que o governo agiu para obter um resultado a curto prazo, desprezando normas fundamentais para assegurar a credibilidade do balanço de uma instituição do porte e da importância do BNDES.
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