O Estado de S.Paulo - 01/04
Tratada como remendo eleitoral, a reforma da política está se encaminhando para, na melhor das hipóteses, acabar num fetiche gregoriano: uma mexida de calendário para valer daqui a 10 anos. No pior cenário, a maior interessada, a sociedade, perderia o direito de saber quem financia quem no jogo político-eleitoral.
Depois de muitas reuniões inconsequentes, os líderes partidários concordaram que são incapazes de chegar a acordo sobre a pretensa reforma política. O impasse vai ser decidido no voto na próxima semana - se os nanicos deixarem. Caso PRs e PSCs da Câmara permitam, os deputados devem votar um par de emendas à Constituição e um ou dois projetos de lei sobre o tema.
Presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) escreveu em seu Twitter que "coincidência de eleições municipais e federais no mesmo ano foi o ponto de maior consenso entre os líderes". Por "maior consenso", entenda-se menor dissenso.
Nem todos acham boa ideia dar seis anos - e não quatro - de mandato aos prefeitos que vierem a ser eleitos em 2016. Mas é o jeito para que todas as eleições passem a coincidir a partir do longínquo ano de 2022 sem que haja prefeitos-tampão ou, ainda pior, prorrogações de mandato sem consulta ao eleitor.
Sempre à frente de seu tempo, nossos representantes também divergem sobre a conveniência de incluir na mesma urna até oito votações diferentes: vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, dois senadores, governador e presidente. Tantas digitações requereriam aulas de piano para o eleitor.
Há quem proponha que a coincidência de eleições se limite ao ano. As votações ocorreriam em datas distintas: para presidente, senadores e deputados federais em - digamos - setembro, e para vereadores, prefeitos, deputados estaduais e governadores um mês depois. Brilhante e econômica solução.
Não importa que os custos sejam dobrados ou que o segundo turno de uma eleição coincida com o primeiro turno da seguinte. Com quatro meses perdidos entre propaganda eleitoral, duas eleições e dois segundos turnos, daria para emendar todo o processo eleitoral com Natal, Copa do Mundo, Semana Santa, carnaval e decretar um ano facultativo. Faria pouca diferença no Congresso.
Outra das emendas é daquelas inutilidades pomposas que os parlamentares se esmeram em aperfeiçoar: para não mais atrapalhar suas viagens de réveillon, querem adiar a posse de prefeitos para 5 de janeiro, de governadores para 5 dias depois, e de presidente para o dia 15. A não coincidência de datas é para poderem ir às cerimônias e festas uns dos outros, é claro.
Depois que essas mudanças constitucionais de primordial importância forem votadas, os deputados finalmente poderão se dedicar ao que mais lhes preocupa: o dinheiro - ou como farão para financiar suas campanhas. O debate é se usarão mais do seu, do meu, do nosso, e se doações de empresas e pessoas continuarão sendo de conhecimento público ou se serão camufladas.
Fundo Perdido. Ironicamente chamada de "financiamento público exclusivo", a proposta petista que deve ir à votação prevê que todas as campanhas eleitorais sejam bancadas por um fundo único. Esse fundo receberia dinheiro do Tesouro Nacional e - a despeito do nome - de empresas e pessoas. O dinheiro seria dividido entre os partidos na proporção dos votos recebidos na eleição anterior. É o chamado fundo perdido.
O brilhantismo da proposta é acertar duas conveniências com uma penada só. Ao privilegiar três de cada quatro reais às campanhas de quem já manda, assegura-se grande vantagem aos incumbentes. Ao misturar tudo em um fundo só, ocultam-se as doações de empreiteiras, bancos e quem quer que seja aos candidatos.
Os partidos que têm as maiores bancadas parlamentares teriam também os maiores repartes financeiros, perpetuando-se no poder. Por mero acaso, o PT tem o maior número de deputados federais. Com as novas prefeituras ganhas em 2012, mais petistas devem eleger-se para a Câmara e Assembleias em 2014, o pleito que serviria de referência para o novo sistema. Muito conveniente.
Se sobrar tempo, os deputados devem votar uma proposta que - essa sim - poderia eliminar boa parte dos vícios que consomem o sistema partidário brasileiro: o fim das coligações nas eleições de deputados e vereadores. Sem esse artifício, partidos nanicos e partidos fisiológicos perderiam sua carona para o poder.
É coligando-se a outras siglas que os nano partidos garantem suas vagas na Câmara. Sem os votos dos coligados, o PSC elegeria 7 em vez de 16 deputados federais - e não teria peso para fazer o pastor Marco Feliciano tornar-se presidente da Comissão de Direitos Humanos. Mas, na lógica dos deputados, isso é menos importante do que dar um tapa no calendário eleitoral.
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