A federação brasileira é uma das mais descentralizadas do mundo, mas essa não é a opinião de governadores e prefeitos, para os quais o governo federal centraliza excessivamente as receitas. Alegam que a União fica com 70% da arrecadação, restando 24,5% para os estados e 5,5% para os municípios. É verdade, mas há que considerar o dinheiro transferido mandatoriamente para esses últimos. Aí o quadro começa a mudar: a União fica com 58%; os estados e municípios passam de 30% para 42%. A situação muda de vez ao se considerarem as responsabilidades constitucionais da União. A fatia que lhe cabe na receita é compatível com suas obrigações.
Competem à União os gastos obrigatórios com previdência (INSS), educação, saúde e encargos da dívida federal. Somados às transferências a estados e municípios, perfazem cerca de 90% das receitas federais. Há também despesas obrigatórias na prática, como as de defesa, fiscalização e investimentos mínimos em infraestrutura. Restam à União menos de 5% da receita para financiar outros gastos (algo como 60 bilhões de reais no Orçamento de 2013).
Em menor grau, essa rigidez orçamentária já existia nos anos 1980. Sem ligarem para isso, governadores e prefeitos empreenderam bem-sucedido movimento em prol de maiores transferências. Em 1979, a União transferia 20% do imposto de renda e do IPI. Após três reformas constitucionais e a Constituição de 1988, esse porcentual saltou para 47% do IR e 57% do IPI, incluindo 3% para fundos regionais de desenvolvimento. Os impostos da União sobre combustíveis, minerais, transportes e comunicações foram incorporados ao ICMS estadual. Além disso, a Constituição elevou os gastos federais com pessoal, previdência, suas despesas obrigatórias aumentaram e as receitas diminuíram. Se nada fosse feito, o déficit público e a dívida explodiriam.
A saída lógica seria aumentar as alíquotas do IR e do IPI, os dois principais impostos da União. Acontece que, após as transferências e a vinculação de receitas à educação, remanescem na União metade do IR e um terço do IPI. Assim, seria necessário cobrar o dobro do IR e o triplo do IPI, penalizando ainda mais os contribuintes. A solução menos danosa seria recorrer às contribuições, que pertencem inteiramente à União. Elas não geram transferências para outras esferas de governo nem aumentam automaticamente gastos. A qualidade do sistema tributário pioraria, mas se evitaria o colapso das finanças federais.
A carga tributária saltou de 21% para 36% do PIB entre 1987 e 2012. Aí está a origem da complexidade dos tributos federais, que se agravou ainda mais com o aumento real de 115% do salário mínimo entre 1994 e 2012. Houve dramática expansão dos gastos do INSS. O salário mínimo reajusta três quartos dos benefícios e mais de 40% da despesa total. O manicômio fiscal se instalou. O peso dos gastos e o caos tributário constituem, hoje, o principal obstáculo à expansão do potencial de crescimento da economia e da geração de bem-estar.
Mesmo assim, governadores e prefeitos resolveram reeditar o movimento dos anos 1980 e querem mais dinheiro da União, usando a mesma tese furada da excessiva centralização. Como parece claro, a centralização de receitas foi a conseqüência natural da decisão da sociedade de elevar as transferências e os gastos sociais, particularmente os do INSS. A proposta atual dos governadores é transferir, ao longo de cinco anos, mais 5% das receitas federais para os estados e municípios.
Se a medida vigorasse em 2013, haveria transferências adicionais aos estados e municípios de cerca de 60 bilhões de reais. A União perderia totalmente sua hoje exígua margem de manobra. Teria de aumentar a dívida ou a carga tributária. Seria um novo desastre fiscal. Candidatos à Presidência da República se juntaram ao movimento. Se por acaso um deles ganhar as eleições, herdará um processo orçamentário ainda mais disfuncional e custoso. Liderará um país propenso à estagnação ou ao descontrole inflacionário. O perigo é enorme, inclusive por causa da incapacidade de articulação do governo. Que o diga o caso dos royalties.
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