REVISTA ÉPOCA
A inflação acaba de furar o teto oficial da meta, estabelecida em 6,5% anuais. O Banco Central está atrasado em sua batalha contra expectativas inflacionárias adversas. Para piorar a situação, a presidente Dilma Rousseff manifestou, inadvertidamente, sua aversão a esforços anti-inflacionários que possam desacelerar o crescimento da economia. O "combate" à inflação ficaria, portanto, reduzido à política de desoneração de impostos conduzida pelo ministro da Fazenda, cujos efeitos se limitam ao amortecimento transitório das altas registradas nos índices. Esse alívio das pressões sobre os preços a curto prazo, por meio das reduções de impostos, piora as previsões dos deficits fiscais, agravando as expectativas inflacionárias de longo prazo. Como prisioneiros da armadilha social-democrata do baixo crescimento, enveredamos pela trajetória de inflação ascendente, na tentativa de estimular artificialmente a economia, por meio de políticas monetária e fiscal expansionistas.
Nosso Banco Central segue indeciso, pela falta de uma clara definição de seu mandato.
Em países que sofreram com a hiperinflação, caso da Alemanha, esse mandato é bem definido. A prioridade do Bundesbank tornou-se a estabilidade do poder de compra da moeda. Esse traço hereditário é visível ainda hoje na Zona do Euro, pois o DNA da estabilidade de preços foi transmitido ao Banco Central Europeu. O Princípio de Jan Tinbergen, primeiro prêmio Nobel de Economia, exige que se usem tantos instrumentos de política econômica quantos forem os objetivos a ser alcançados. Se a única meta é a estabilidade de preços, basta a política monetária do Banco Central. A partir da experiência americana com a Grande Depressão, foi também atribuída ao Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) uma segunda meta: fazer o que for necessário para assegurar a manutenção dos empregos na economia.
Em tempos normais, tornam-se metas redundantes, pois a manutenção da estabilidade de preços contribui para aumentar o grau de previsibilidade macroeconômica, estimulando investimentos que sustentam maior ritmo de crescimento e mais empregos. Em tempos extraordinários, como a grande crise contemporânea, a tartaruga não consegue alcançar duas lebres ao mesmo tempo. O Fed e o Banco Central do Japão definiram como metas prioritárias o reaquecimento da economia e emitiram trilhões para alcançar tal objetivo. O Brasil tem em comum com a Alemanha uma experiência de hiperinflação, e não a Grande Depressão dos EUA. Nosso Banco Central deveria estar mais preocupado com a inflação e menos com o ritmo de expansão da economia. Se o governo recorresse a um segundo instrumento, a política fiscal, a cargo do Ministério da Fazenda, poderia então perseguir duas metas simultaneamente. Com uma trajetória de maior controle de gastos públicos ao longo das duas últimas décadas, teríamos mantido a estabilidade de preços sem as taxas de juros estratosféricas e a taxa de câmbio sobrevalorizada, que derrubaram os investimentos, a competitividade nos mercados globais e o ritmo de crescimento econômico.
Sofremos também de crônica falta de coordenação entre as políticas monetária e fiscal. A falha genética de todas as nossas tentativas de estabilização, inclusive do Plano Real, foi exatamente a ausência de mudança no regime fiscal. Apenas no segundo mandato de FHC, e mesmo assim sob pressão do Fundo Monetário Internacional, ensaiamos a geração do superávit fiscal "primário", para cobrir as despesas com juros sobre as dívidas. Uma das explicações dadas para a possibilidade de redução dos juros na era Tombini à frente do BC foi o maior grau de coordenação entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda. Mas os gastos públicos não param de crescer há décadas. Atingiram quase 40% do Produto Interno Bruto, um atestado da falta de cooperação da Fazenda com o Banco Central. Sobem os gastos públicos nos bons tempos por distributivismo, mas também nos maus tempos, com políticas anticíclicas.
Outro complicador do Banco Central é a maciça atuação de bancos públicos à expansão de crédito, ao consumo e aos negócios. É como se o BC tentasse frear uma avalanche. E mais: um novo ciclo de elevação de juros terá agora efeitos bem mais contundentes sobre a economia, em razão da maior penetração dos mercados de crédito. Muitas famílias e pequenos negócios se endividaram em ritmo acelerado ainda recentemente, sem falar nos "campeões" nacionais pendurados nos bancos públicos.
O Ministério da Fazenda deveria lastrear, com maior controle de gastos públicos, seu programa de redução de impostos e desoneração de encargos sobre as folhas de pagamentos das empresas. São compreensíveis sua ansiedade para reduzir os índices de inflação, bem como seus esforços para manter empregos, aumentar nossa competitividade externa e interromper o processo de desindustrialização. Mas o anúncio de que a redução de impostos sobre bens de consumo seria temporária, feita apenas para estimular rapidamente a compra de automóveis, geladeiras, televisões, acaba travando os investimentos que ocorreriam com uma redução permanente. Por que ampliar a capacidade produtiva se a carruagem vira abóbora logo depois?
Analistas macroeconômicos - de olho nas eleições presidenciais de 2014 e no tiro no pé das aspirações políticas do governo, com a reversão dessa queda dos impostos - acabam projetando buracos fiscais permanentes no futuro. Além da paralisia nos investimentos, o governo colhe desfavoráveis expectativas de inflação. A presidente Dilma percebeu que o anúncio de sua aversão a esforços anti-inflacionários que possam desaquecer a atividade econômica abalava a credibilidade institucional da Fazenda e do BC, além de descredenciar pessoalmente seus titulares. Dilma alegou então um mal-entendido, pela distorção de suas palavras. O Banco Central foi autorizado a dar sinal de vida. Mas sabemos que escolher entre o horizonte longo de um estadista e colher os frutos imediatos de uma reeleição é sempre muito fácil para nossa classe política.
Nenhum comentário:
Postar um comentário