O GLOBO - 21/04
Seria bem mais útil se o Senado mudasse as regras que hoje permitem aposentadorias precoces, uma das distorções do sistema previdenciário oficial
A maior dificuldade para se promover reformas que possam garantir o equilíbrio da previdência oficial a médio e longo prazos está na incompreensão do que é o sistema. Prova disso foi a aprovação, em comissão do Senado (exatamente a esfera do parlamento que tem uma função mais revisora, mais ponderada), de projeto que permite a “desaposentadoria”. Por iniciativa do senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul, que, curiosamente, também tem defendido o fim do fator previdenciário, a “desaposentadoria” é uma contradição em si mesma.
A filosofia do sistema de previdência oficial, em regime de repartição, é amparar aqueles que perdem a capacidade de trabalhar, seja por motivo de saúde ou de idade. Desde os seus primórdios, o regime de repartição se baseia na solidariedade, pela qual aqueles que têm capacidade para trabalhar amparam os que a perderam. Não faz qualquer sentido então a “desaposentadoria”, pois trata-se de um reconhecimento que as regras atuais possibilitam a aposentadoria precoce. De fato, seja por necessidade ou por disposição ao trabalho, muitos aposentados permanecem no mercado, mantendo inclusive seus vínculos empregatícios, mesmo depois de começar a receber os benefícios do INSS.
As regras em vigor quase que estimulam o segurado a se aposentar o mais rápido possível, exatamente porque o benefício é visto como complemento de renda, e não como proventos assegurados por um sistema no qual todos devem ser solidários uns com os outros. Esse regime de repartição significa que ninguém poupa para si mesmo. As contribuições feitas ao longo dos anos servem apenas de parâmetro para cálculo do benefício que o aposentado deverá receber. Não é resultado de uma poupança individual acumulada, como acontece no caso do sistema de previdência privada complementar.
O mecanismo que contrabalança o impacto das aposentadorias precoces é o fator previdenciário, e, por isso, continuará sendo fundamental enquanto as regras permitirem que as pessoas possam requerer o benefício com 30 anos (mulheres) ou 35 anos de contribuição, independentemente da faixa etária em que estejam, ou por quantos anos à frente deverão ser amparados, de acordo com sua expectativa de vida.
Se, já aposentada, a pessoa mantém vínculos empregatícios ou trabalha como profissional liberal, a continuidade da suas contribuições à previdência se destina a formar o bolo que vai financiar o pagamento de benefícios, inclusive dela mesma.
Em vez da aberração da “desaposentadoria”, seria mais útil se o Senado procurasse reformar as regras que permitem ainda a aposentadoria precoce ou que, ao menos, criasse um estímulo para aqueles que já têm tempo de contribuição suficiente, pelas regras em vigor, a retardarem sua aposentadoria, obtendo algum desconto nas contribuições ao INSS ou qualquer outro mecanismo.
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