O GLOBO - 21/04
Na semana passada, o historiador Robert Darnton, diretor das bibliotecas da Universidade Harvard, pôs de pé seu sonho: a Biblioteca Digital Pública da América (DPLA, na sigla em inglês). A ideia é audaciosa e pretende formar uma rede eletrônica unindo acervos públicos, universidades, museus e centros de pesquisas. Esse patrimônio ficará disponível para os cidadãos, de graça. Um estudante do Piauí poderá baixar um livro de um acervo de Washington. O projeto começou em 2010, quando o ar refrigerado da Biblioteca Nacional do Rio já ia mal das pernas e sua rede elétrica estava cheia de gambiarras.
O professor trabalhou com uma pequena equipe e 40 voluntários. Aos poucos, conseguiu a adesão de grandes instituições. Ninguém foi nomeado pelo governo. A iniciativa já dispõe de sete troncos de acesso a 2,4 milhões de títulos, guardados em mais de uma dezena de entidades. Não é muita coisa, mas Darnton sonha, como sonhou John Harvard em 1638. Pastor e filho de um açougueiro, morreu aos 37 anos, deixando 780 libras e 320 livros para que se criasse um colégio. Harvard é hoje a melhor universidade do mundo. Formou sete presidentes, inclusive o companheiro Obama. Em 1750, os jesuítas do Rio tinham 5.434 volumes e a biblioteca criada por Benjamin Franklin na Philadelphia, 375.
Passou o tempo e, enquanto Darnton cria a Biblioteca Digital Americana, a Biblioteca Nacional do Rio, caindo aos pedaços, foi cativada por grandes vaidades e pelos interesses de uma parte do mercado editorial. Junto com o Ministério da Cultura, ela patrocinará em outubro uma farra marqueteira na Feira do Livro de Frankfurt. Trata-se de um grande evento comercial, com três dias de visitação exclusiva para editores e apenas dois para o público. Ela pretende homenagear o Brasil. O repórter Ancelmo Gois revelou que a Viúva poderá gastar no espetáculo algo como R$ 15 milhões orçamentários, mais R$ 13 milhões vindos de renúncias fiscais. Trata-se de alavancar os interesses privados de um mercado editorial que já está grandinho para cuidar de si.
A Biblioteca Nacional não oferece tomadas para a recarga dos laptops de seus frequentadores, pois sua rede elétrica não aguenta. A farra de Frankfurt poderá custar até US$ 14 milhões mas, até agora, o trabalho de Darnton custou menos de US$ 10 milhões, com uma pequena parte vinda de verbas públicas. Custará muito mais para copiar acervos, mas começou a funcionar.
O atraso e o progresso são obras do cotidiano. Onde canta o sabiá, a Biblioteca Nacional está uma ruína e gasta dinheiro público num evento na Alemanha, país governado por uma senhora que pede aos outros "austeridade total". Nas terras sem palmeiras, onde montou-se a internet, cria-se a Biblioteca Digital.
Serviço: Darnton conta seu caso no artigo "The National Digital Public Library Is Launched!", que está na rede, no sítio do The New York Review of Books.
FORTES EMOÇÕES
Ao contrário do que foi publicado aqui no domingo passado, é razoável a chance de reversão da sentença que condenou José Dirceu por formação de quadrilha, levando-o a penar em regime fechado.
Basta que o ministro Teori Zavascki, que não estava no tribunal em novembro, vote a favor do recurso. O jogo empata, com Celso de Mello, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa de um lado, e Rosa Weber, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Zavaski, do outro. Zerado o placar, cai a decisão que levaria Dirceu ao presídio de Tremembé.
Indo-se para o campo da fantasia, em seguida pode acontecer o seguinte:
Barbosa fala dois minutos contra a reversão do resultado do julgamento do ano passado, joga a toga sobre a bancada, deixa o Supremo e vai disputar a Presidência da República.
Dias emocionantes virão.
FUX
Entre visitas, festas e parentelas, é o caso de se perguntar o que é que o ministro Luiz Fux pôs na cabeça.
DESCULPAS
O diplomata Rodrigo Estrela, assessor do professor Marco Aurélio Garcia no Planalto, informa que estava errada e era ofensiva a nota "Foguete", segundo a qual na promoção a conselheiro ultrapassou 93 colegas num quadro de 273 primeiros-secretários.
O quadro tinha 254 diplomatas e ele era o 57º numa lista por antiguidade. No quadro de 63 candidatos à promoção, era o 42º.
Ademais, em 2010 e 2012, foram promovidos diplomatas colocados até nos 114º e 138º lugares na lista de antiguidade.
Com essas correções ele solicita e deve receber não só a retificação, como o devido pedido de desculpas.
MARC BLOCH E A COMISSÃO DA VERDADE
A Comissão da Verdade pedirá mais prazo para apresentar seu relatório. Se o objetivo dos doutores é investigar os crimes da ditadura, desvendando mistérios de desparecimentos ou cenas de assassinatos, talvez seja o caso de se criar uma comissão permanente com esse propósito.
Desde sua criação, com algum barulho, a Comissão anunciou ter descoberto que, em 1971, antes de desaparecer, Rubens Paiva estivera no DOI. Ora, o Exército sempre disse que ele foi resgatado por um comando terrorista quando era conduzido, escoltado, numa diligência do DOI. Há 42 anos os comandantes sustentam, oficial e falsamente, que ele fugiu. Se o preso fugiu, preso estava. O que se pode descobrir é a identidade de seus torturadores e o nome dos oficiais que, no meio da noite, resgataram e sumiram com o cadáver. Um estaria morto. Uma comissão permanente poderia ficar com essa tarefa.
Outra coisa seria mostrar como a mutilação do Estado de Direito, do Congresso, do Judiciário, bem como a censura, o fim do habeas corpus e os estímulos dados pelos hierarcas do regime ao aparelho repressivo, transformaram policiais delinquentes em heróis e oficiais das Forças Armadas em assassinos. Expondo-se esse processo, previne-se sua repetição.
Para se chegar à verdade essencial do que ocorreu durante a ditadura, valeria a pena ouvir o que dizia o historiador francês Marc Bloch pouco antes de ser morto, em 1944: "Quando tudo estiver feito e dito, uma única palavra, compreender', será a luz que orientará nossos estudos". Deve-se buscar ossadas de guerrilheiros no Araguaia, mas é necessário compreender como uma elite militar que colocou o marechal Castello Branco no poder ordenou, a partir de outubro de 1973, o extermínio de todos os militantes do PC do B que estavam na mata. Inclusive aqueles que se renderam, atendendo a comunicados feitos em panfletos e transmitidos por alto-falantes colocados em helicópteros. Para isso, precisa-se de bastante reflexão e debate.
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