O GLOBO - 31/03
A Comissão da Verdade passa por um processo interno de debate para definir qual seu verdadeiro objetivo: se promover uma catarse nacional para superar os traumas causados pela ditadura militar, como querem alguns de seus membros, ou preparar um relatório que deixe registrado para a História o que foram os tempos da ditadura, além de documentos que possam ser consultados na internet pelos interessados. Além da discordância de fundo entre seus membros, há discordância também sobre os procedimentos a serem adotados.
Uma parte do grupo de sete membros que compõem a Comissão considera que um de seus objetivos é levar à opinião pública o maior número possível de informações sobre as atrocidades cometidas pela repressão militar durante a ditadura - de preferência da boca de parentes de vítimas e pessoas que estiveram envolvidas na luta armada, de modo que esses depoimentos sirvam para promover uma verdadeira catarse nacional, a melhor maneira de superar os traumas que ainda permanecem latentes na cidadania.
Sem esse tratamento de choque, seria impossível avançar no nosso processo democrático, sustentam os que defendem a tese. Outros consideram que a superação já foi alcançada pela negociação política feita na transição da ditadura para a democracia, culminando com a Lei da Anistia e a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República. O trabalho da Comissão da Verdade, nessa visão, seria o de contar a História daquele período para que ela não se repita.
A maneira de chegar aos objetivos de cada grupo também difere. Se ainda é majoritário o grupo que prefere uma ação mais discreta, que culminaria num relatório e na possibilidade de consulta de documentos pela internet, ganha força na comissão a tendência de incluir nomes nesse relatório final, o que também causa controvérsias. Há membros do grupo que consideram uma radicalização dispensável a inclusão de nomes. Alegam que, das 40 comissões já feitas no mundo sobre o assunto, nenhuma fez relatórios dando nomes aos torturadores ou aos que participaram direta ou indiretamente das ações criminosas da repressão militar.
No Chile, que fez duas comissões, a última elaborou uma lista de nomes que foi enterrada em uma caixa para ser aberta dentro de 50 anos. Há muitas dúvidas, por exemplo, sobre a participação de empresários ou médicos no financiamento e auxílio às torturas. Enquanto a ação de alguns pode ser comprovada através de testemunhas, outros poderiam ser acusados sem que tivessem tido condições de recusar a participação.
Há depoimentos de empresários que alegam terem sido forçados a colaborar financeiramente através de ameaças e chantagens. Há também diversos laudos assinados por legistas que, analisados por uma equipe de especialistas, foram considerados falsos ou com erros primários. A intenção dos médicos que assim agiram teria sido denunciar a farsa que estava sendo montada pelos militares.
Outra questão debatida com muita intensidade dentro da comissão é a sua limitação diante da lei aprovada pelo Congresso. Grupos de pressão querem que ela abra processos contra os acusados de participação no esquema de torturas. Por outro lado, grupos de militares enviaram à comissão relatos de ações terroristas contra alvos militares, exigindo que também essas sejam alvo da Comissão.
Como a lei brasileira que criou a Comissão da Verdade não permite nem uma coisa nem outra, as pressões vêm de vários lados e expõem as diferenças de pensamento de seus membros. Essa visão diversificada, que deveria ser benéfica para o resultado final do trabalho, acaba impedindo que ele se desenvolva sem interferências ideológicas.
Pessoalmente, considero estranha essa tentativa de se armar uma encenação teatral para envolver a opinião pública emocionalmente. Mais eficaz para o interesse do país será produzir um relatório minucioso, denunciando como funcionava a máquina de repressão militar, definindo a responsabilidade de cada um e dando os seus nomes quando for possível a identificação acima de quaisquer dúvidas. Os eventuais processos civis têm que ficar por conta dos familiares das vítimas.
Uma parte do grupo de sete membros que compõem a Comissão considera que um de seus objetivos é levar à opinião pública o maior número possível de informações sobre as atrocidades cometidas pela repressão militar durante a ditadura - de preferência da boca de parentes de vítimas e pessoas que estiveram envolvidas na luta armada, de modo que esses depoimentos sirvam para promover uma verdadeira catarse nacional, a melhor maneira de superar os traumas que ainda permanecem latentes na cidadania.
Sem esse tratamento de choque, seria impossível avançar no nosso processo democrático, sustentam os que defendem a tese. Outros consideram que a superação já foi alcançada pela negociação política feita na transição da ditadura para a democracia, culminando com a Lei da Anistia e a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República. O trabalho da Comissão da Verdade, nessa visão, seria o de contar a História daquele período para que ela não se repita.
A maneira de chegar aos objetivos de cada grupo também difere. Se ainda é majoritário o grupo que prefere uma ação mais discreta, que culminaria num relatório e na possibilidade de consulta de documentos pela internet, ganha força na comissão a tendência de incluir nomes nesse relatório final, o que também causa controvérsias. Há membros do grupo que consideram uma radicalização dispensável a inclusão de nomes. Alegam que, das 40 comissões já feitas no mundo sobre o assunto, nenhuma fez relatórios dando nomes aos torturadores ou aos que participaram direta ou indiretamente das ações criminosas da repressão militar.
No Chile, que fez duas comissões, a última elaborou uma lista de nomes que foi enterrada em uma caixa para ser aberta dentro de 50 anos. Há muitas dúvidas, por exemplo, sobre a participação de empresários ou médicos no financiamento e auxílio às torturas. Enquanto a ação de alguns pode ser comprovada através de testemunhas, outros poderiam ser acusados sem que tivessem tido condições de recusar a participação.
Há depoimentos de empresários que alegam terem sido forçados a colaborar financeiramente através de ameaças e chantagens. Há também diversos laudos assinados por legistas que, analisados por uma equipe de especialistas, foram considerados falsos ou com erros primários. A intenção dos médicos que assim agiram teria sido denunciar a farsa que estava sendo montada pelos militares.
Outra questão debatida com muita intensidade dentro da comissão é a sua limitação diante da lei aprovada pelo Congresso. Grupos de pressão querem que ela abra processos contra os acusados de participação no esquema de torturas. Por outro lado, grupos de militares enviaram à comissão relatos de ações terroristas contra alvos militares, exigindo que também essas sejam alvo da Comissão.
Como a lei brasileira que criou a Comissão da Verdade não permite nem uma coisa nem outra, as pressões vêm de vários lados e expõem as diferenças de pensamento de seus membros. Essa visão diversificada, que deveria ser benéfica para o resultado final do trabalho, acaba impedindo que ele se desenvolva sem interferências ideológicas.
Pessoalmente, considero estranha essa tentativa de se armar uma encenação teatral para envolver a opinião pública emocionalmente. Mais eficaz para o interesse do país será produzir um relatório minucioso, denunciando como funcionava a máquina de repressão militar, definindo a responsabilidade de cada um e dando os seus nomes quando for possível a identificação acima de quaisquer dúvidas. Os eventuais processos civis têm que ficar por conta dos familiares das vítimas.
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