REVISTA EXAME
É uma ironia que a presidente Dilma Rousseff esteja falando do Ministério dos Transportes agora. Nas conversas sobre a reforma ministerial, a última coisa em que os políticos estão pensando é em melhorar os transportes
OS BRASILEIROS TIVERAM OPORTUNIDADE DE VIVER NESTES ÚLTIMOS DIAS um dos grandes momentos de uma disciplina que poderia muito bem entrar nos currículos das nossas faculdades de economia e administração. Título: "O Brasil segundo o governo e o Brasil que existe para quem vive no mundo das realidades". No Brasil oficial, a presidente Dilma Rousseff, o copresidente Lula e a tropa toda que prospera em volta deles estavam envolvidos na tarefa, altamente estratégica, de mexer daqui para lá nos ministérios. Seus labores, nessa questão, parecem incluir a criação de mais um - isso mesmo, mais um - ministério, o que nos leva a um total de 39, pelas últimas contas, e reforça a perspectiva de atingir o sonho dourado de Dilma e da companheirada: 50 ministérios ao todo, ainda em nosso tempo. No Brasil das realidades, enquanto isso, o maior comprador de soja da China, o grupo Sunrise, anunciou o cancelamento da compra de 2 milhões de toneladas de soja brasileira (valor: 1,1 bilhão de dólares) porque dos 12 navios que deveriam entregar a soja em janeiro e fevereiro só dois chegaram à China até agora. E, em português claro, o que se chama de quebra de contrato - e, por causa disso, a Sunrise pretende cancelar o negócio inteiro.
É exatamente esse o Brasil que existe para os brasileiros. O motivo do desastre com a soja é o mesmo que estava aí dez anos atrás, quando Lula e Dilma descobriram o Brasil pela segunda vez - pura, simples e grosseira incompetência na ação do governo na área de transportes. A presidente, há algum tempo, desafiou tudo e todos: "Não herdamos nada", disse ela. Parece que também não vão legar coisa nenhuma.
Em matéria de transporte, é certo que não fizeram nada de útil se nosso ritmo de entrega de grãos está na base de dois navios atracados no porto de chegada, ante 12 que foram contratados. O Brasil de verdade não consegue, simplesmente, levar a soja colhida até os portos - principalmente o de Santos, o maior de todos eles. Há imensas quantidades de soja perdidas em Mato Grosso, pois não se sabe como tirá-las de lá. Os caminhões levam nove dias para percorrer uma distância de 2 200 quilômetros, e não há a alternativa de utilizar linhas ferroviárias - invento que está para completar 200 anos de existência, mas não foi bem entendido até hoje pelos governos brasileiros. Os caminhões que conseguem chegar ao destino formam filas apavorantes, pois a capacidade de escoamento dos portos é uma piada. A possibilidade de armazenar a soja é outra: para 180 milhões de toneladas de grãos colhidas, a capacidade atual dos silos brasileiros não chega a 150 milhões.
E uma notável ironia que justo neste momento a presidente da República esteja falando muito a respeito do Ministério dos Transportes, dentro das conversas sobre "reforma" ministerial - mas a última coisa em que ela, Lula e os políticos à sua volta estão pensando é em melhorar o que quer que seja nos transportes brasileiros. Nem sabem (e não querem ficar sabendo) que há filas de caminhões nos portos, que mais de 1 bilhão de dólares foi jogado fora nas operações de exportação de soja para a China ou que há grãos apodrecendo no pé nas áreas produtoras. Seu único e exclusivo interesse é decidir quem vai para o emprego de ministro; o tema "transporte", para todos eles, começa e acaba aí. O resto do mundo em que vivem não é melhor. O deputado Valdemar Costa Neto, atualmente condenado a sete anos e dez meses de cadeia por corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, terá voz na "reforma" de Dilma, na sua condição de grão-comendador do PR? O ex-ministro do Trabalho Carlos Lupi, demitido por suspeitas de ladroagem, parece que está mandando de novo no pedaço. Anuncia-se a criação do Ministério das Pequenas Empresas, a última coisa neste mundo que pode servir a uma pequena empresa - seu problema não é a falta de um ministério, e sim o excesso de fiscais de todos os tipos que a extorquem dia após dia.
Este, sim, é o nosso Brasilzão.
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