Quando o ex-presidente americano Jimmy Carter fala, os líderes mundiais ficam atentos. Mesmo quando não gostem do que diz. Assim foi no caso dos militares argentinos e chilenos, que chamaram de "ingerência" as críticas de Carter aos anos de chumbo latino.
O general Ernesto Geisel desconfiou que, por trás da bandeira de direitos humanos da Doutrina Carter, ocultavam-se desenhos hegemônicos da Pax Americana e acabou rompendo o antigo acordo militar com Washington.
De bronca em bronca, ele construiu seu prestígio como um guerreiro global da liberdade democrática que ainda moralizou a cínica política internacional americana.
Carter pode ter decepcionado na Casa Branca, mas conquistou uma sobrevida brilhante que lhe trouxe honrarias, honorários e holofotes. Até hoje, o aval do Centro Carter, fiscal-mor de eleições internacionais, é venerado como o padrão ouro para democracias incipientes e aviso prévio para autocratas na berlinda.
Mas o globo também gira. Hoje os déspotas amam as urnas e as usam como purpurina para democrata ver. As críticas a Carter partem agora não dos quartéis, mas de seus antigos bastidores democráticos.
Veja na Venezuela, uma nação rachada entre o luto e a euforia por Hugo Chávez. Na mídia, nas universidades e nas trincheiras da oposição ao governo bolivariano, rejeição ao americano só cresce. "Fora Carter" e "não se meta" são os refrãos mais ouvidos em Caracas.
O inconformismo não é de agora e foi impulsionado pelo papel que Carter desempenhou em "avalizar" as eleições na gestão chavista. De 1998 a 2004, Carter foi presença fácil na Venezuela, sempre ao convite do governo Chávez. Em todas as vezes, foi só elogios ao processo e a lisura dos pleitos. Foi muito além da vista grossa.
Quase ninguém disputa a popularidade de Chávez, um comunicador por excelência, com simpatia e carisma raros. E, diferente dos generalíssimos clássicos, não mandou rechear urnas com votos de mortos nem sumia com os dissidentes. Mas driblou as leis ao seu bel-prazer e abusou dos decretos palacianos. Ainda potencializou sua vantagem loteando o conselho eleitoral de juízes amigos e retalhando zonas eleitorais para favorecer distritos chavistas.
Sim, deixou a oposição falar, mas lhe caçava a palavra ao invadir as redes nacionais (mais de mil vezes, ao todo) para transmitir intermináveis discursos de campanha, embalados como informes de interesse nacional.
E, quando os adversários insistiam, inventou moda. Em 2004, Chávez sobreviveu a uma votação para precipitar sua saída do poder, mas não perdoou. Quem votou contra o bolivariano teve seu nome divulgado para a imprensa e milhares perderam seu emprego. Carter nada falou. Desta vez e em todas as eleições que se seguiram.
Até quando estava longe do país, nunca deixou de afagar o chavismo. Há alguns meses qualificou o processo eleitoral venezuelano com "um dos melhores do mundo". Detalhe: isso foi em 25 de setembro, duas semanas antes da eleição presidencial - desqualificando de antemão qualquer protesto que viria.
Carter já apanhou antes. Mas a crítica - feita por déspotas e radicais raivosos - só aumentava sua reputação. Agora, a bolha começa a estourar.
Talvez seja exagero afirmar que Carter tenha colocado seu prestígio à venda, como acusou Alan Dershowitz, ilustre advogado que o acusou de aceitar doações milionárias de xeques que pregavam a destruição de Israel. (Em tempo: o Centro Carter não se pronuncia sobre direitos humanos no Oriente Médio.)
Mas, quando Carter emenda sua carta de condolência aos parentes de Chávez com loas à "visão" do bolivariano e aufere seu "compromisso para melhorar a vida de milhões de compatriotas", não admira que muitos democratas deixam de bater palmas.
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