FOLHA DE SP - 01/03
Por que será que fato de relevância histórica no filme de Bigelow foi totalmente ignorado pela imprensa?
CHEGUEI AO interior da sala de exibição de "A Hora Mais Escura", o filme de Kathryn Bigelow que causou no Oscar, sem saber que seria arrebatada por uma grata surpresa.
Se tenho um defeito é o de viver em descompasso com as novidades. Teria de ser mais antenada para não decepcionar o público, mas a brevidade do dia aliada à minha incapacidade funcional impedem que me mantenha atualizada. Quando vou ao cinema, todo mundo e seu vizinho vêm me contar sobre o filme e comentar o que não quero saber. Vivo para aquele momento de mistério bem no início da sessão, em que o escuro da tela se transforma em espetáculo.
Passou um bom tempo desde o momento em que "A Hora Mais Escura" entrou em cartaz até o dia em que fui assistir ao filme. Nesse ínterim, não teve jeito de fugir da repercussão. Foram vários os assuntos trazidos à tona. Se Bin Laden usou a mulher de escudo, se a história foi contada à risca, mas, sobretudo, se torturador é tudo igual e só muda de endereço.
A gente se lembra como a expressão "Guerra ao Terror" causava ojeriza, inclusive pela conotação mercadológica. Hoje, o distanciamento faz perceber -e o filme mostra- que a terminologia se fazia necessária para que dispositivos legais fossem colocados em prática a fim de driblar a burocracia, agilizar a aprovação de orçamentos exorbitantes e viabilizar interrogatórios, já que leis de exceção só podem ser usadas em períodos de guerra. De que outra forma seria possível lidar com terroristas dispostos a se explodir com toneladas de dinamite amarradas ao corpo? Era uma corrida contra o tempo.
Entre outros, o filme pautou um perfil que li na "Esquire", do oficial da Marinha, o "Navy Seal", que deu os três tiros fatais em Bin Laden. Sujeito está chateado porque jamais será reconhecido publicamente e não levou os US$ 25 milhões da recompensa. Consola-o uma lenga-lenga de ter sido "ungido por Deus" para a missão.
Reportagens sobre o Oscar descreviam "A Hora Mais Escura" como "caçada a Bin Laden". Na visão de dois dos maiores galãs desta nossa Folha, o que chamou atenção foi a tortura. Existirá tortura do bem e do mal? Poderia ser justificada a que serve para salvar uma criança sequestrada? O dilema pode ser instigante. Melhor ainda quando, no papel do torturador, você coloca um Denzel, um Indiana Jones ou o Clint, não? Mas acho que já vi essa versão em DVD...
Outro ser pensante do jornal questiona se um Estado que recorre sistematicamente à tortura merece ser justificado diante de situações que, muitas vezes, ajudou a criar. Bem, eu rebateria perguntando se ele tem automóvel, troca os pneus, anda de avião, possui eletrônicos e faz exames clínicos. Se a resposta for positiva, seu próprio estilo de vida terá fornecido a resposta à sua pergunta.
Agora voltando à grata surpresa sobre o filme de Kathryn Bigelow de que falava lá no começo e a quem chamei de "mulher de James Cameron" -talvez você nem tenha se dado conta, apenas como forma de provocação; a esta altura, é ele quem deveria se apresentar como ex-marido dela.
Em nenhuma crítica ou resumo que eu tenha visto por aí há qualquer menção ao notável fato de que foi uma mulher, uma jovem analista da CIA atuando em seu primeiro emprego, a responsável por encontrar Bin Laden depois de dez anos de busca. Não fosse a bravura e a competência da agente Maya, Bin Laden ainda estaria explodindo civis inocentes pelo mundo. Por que será que o fato, de relevância histórica, não interessou minimamente a ninguém?
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