O ESTADÃO - 20/02
A Organização Mundial do Comércio tem recebido alguma atenção da imprensa brasileira, ultimamente, por causa da candidatura do embaixador Roberto Azevedo a seu diretor-geral. Também se tem falado com maior intensidade sobre o tema acordos comerciais, não somente porque o acordo regional Mercosul-União Europeia (UE) dominou boa parte das discussões do 6.º Encontro Empresarial Brasil-UE, mas principalmente pelo anúncio de que os Estados Unidos e a UE iniciaram os entendimentos para buscar um acordo transatlântico de comércio e investimento.
O reaparecimento na imprensa da agenda de comércio internacional traz de volta o debate acerca do que queremos em política comercial. Compartilho a ideia dos que afirmam que a diplomacia no Brasil é muito mais política do que econômica. Isso é facilmente observado até nos fóruns de política comercial. A escolha feita pelo Brasil na negociação da Rodada Doha de atuar de maneira ofensiva na abertura dos mercados e na redução dos subsídios agrícolas dos países ricos, e de se aliar a países em desenvolvimento que eram contrários a qualquer abertura de mercado ou ao aumento de disciplinas em suas políticas para a agricultura, exemplifica bem essa supremacia da diplomacia política em temas que são da agenda econômica.
As ações do Brasil na Rodada Doha, no entanto, mesmo que influenciadas pela diplomacia política, ainda eram, essencialmente, orientadas para objetivos comerciais, tanto do lado ofensivo da agricultura como do lado defensivo dos produtos industriais. Mas a hibernação da rodada, em 2008, fechou a última e única frente de estratégia de política comercial que ainda sobrevivia no Brasil. A penúltima havia sido a interrupção das negociações com a UE, em 2004. Nem vale a pena mencionar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A realidade, assim, é que a agenda comercial brasileira desapareceu de vez com a interrupção da Rodada Doha.
É claro que o Brasil continuou fazendo política comercial, até porque optou por elevar tarifas e aumentar impostos associados às importações de alguns setores. O País passou também a utilizar mecanismos de defesa comercial de forma mais intensa. Mas não há como negar que o Itamaraty e o Ministério do Desenvolvimento abandonaram a política comercial em seu conceito amplo, alicerçada em acordos com o objetivo de promover crescimento do comércio internacional e dos fluxos de investimentos. Pelas razões que exponho a seguir, se o Brasil continuar de braços cruzados em política comercial, nossos setores exportadores serão atropelados pelos acordos comerciais de que o País não será parte. É literalmente o "não me inclua fora dessa".
Por mais política e menos econômica que tenha sido a nossa diplomacia, podemos, numa visão Poliana, justificar essa escolha com base em argumentos de conveniência. Com a crise de 2008 o comércio internacional perdeu relevância como propulsor de crescimento econômico. O mundo, então, passou por um processo de fechamento administrado dos mercados - seja via barreiras comerciais, seja via administração cambial. E o Brasil não foi diferente de alguns outros países.
No contexto brasileiro, a partir de 2005, à medida que a economia nacional se consolidava e crescia, e a taxa de câmbio se apreciava, o País entrou num ciclo de aumento das importações. De 2005 a 2011 estas cresceram ao redor de 20% ao ano. Esse crescimento foi mais intenso que o dos anos 1990 - década de forte valorização cambial -, que assistiram às importações aumentando 15% ao ano. Daí que o contínuo incremento das importações vinha servindo de razão principal para bloquear negociações comerciais.
Assim, o contexto mundial e o brasileiro foram desculpas eficazes para justificar o abandono, até hoje, da política comercial no seu conceito amplo. Os motivos de tais desculpas, todavia, não estão mais em vigor.
Em primeiro lugar, o comércio global já retomou o ritmo de crescimento pré-crise de 2008. As exportações mundiais em 2012 fecharam o ano na casa dos US$ 14 trilhões, o mesmo patamar de 2011 e 18% maior que o de 2008, ano de recorde nas transações internacionais. Desse modo o comércio retomou seu papel promotor de desenvolvimento econômico.
Em segundo lugar, 2012 marca o fim da expansão das importações brasileiras. Pela primeira vez desde 2002, as importações caíram. Justificar o não engajamento em negociações pelo lado defensivo, ou seja, como forma de proteção da indústria brasileira, não se sustenta mais.
Portanto, não existem razões, nem de ordem macroeconômica nem de cenário internacional, que deem base para qualquer adiamento do envolvimento do Brasil em negociações comerciais daqui para a frente.
Com o arrefecimento das importações brasileiras e a retomada do crescimento econômico mundial, é chegada a hora de a política comercial ser tratada como tema econômico. Se no passado poderíamos dizer que a perda dos setores ofensivos pela falta de acordos era menor do que o ganho dos setores defensivos, essa equação mudou e não existe mais. Com a retomada dos acordos comerciais mundo afora, à medida que o comércio global se recupera, o custo da falta de acordos amplos de comércio vai-se tornar cada vez mais alto para os setores exportadores, ao passo que o benefício para os setores defensivos é claramente crescente.
É improvável que o atual governo faça qualquer movimento significativo na direção de engajar o Brasil em acordos bilaterais. Um governo que acredita no Estado como propulsor da economia dificilmente tomará atitudes para intensificar o grau de integração no comércio mundial. Contudo nunca houve, nos últimos dez anos, momento tão favorável para um governo vencer suas convicções políticas e perder o medo de integrar mais o Brasil no mundo e, assim, colher seus frutos com maior crescimento econômico.
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