O ESTADÃO - 08/02
Velocidade de escape. O canadense Mark Carney, futuro presidente do Banco da Inglaterra, usou o termo para definir o que é o Santo Graal dos gestores de política econômica ao redor do mundo. Todos buscam a velocidade de escape, o ritmo de crescimento que permitirá a saída definitiva do marasmo provocado pela crise internacional. Mas eis uma dúvida: será que a dinâmica demográfica adversa, o amadurecimento e o envelhecimento dos países maduros, permitirá que se atinja tal velocidade por meio da política econômica?
A maioria dos economistas, sobretudo aqueles que analisam os problemas conjunturais, costuma ignorar a demografia. A razão é simples: reconhece-se que a demografia é importante, mas pressupõe-se que seja um fator estrutural de longo prazo, algo que não influenciará os cenários dentro dos horizontes de interesse e que, portanto, pode ser deixada de lado. Contudo, um dia, o longo prazo chega.
Nas economias avançadas, bem como na China, o longo prazo está chegando rapidamente. Aproxima-se a perspectiva de que a população em idade ativa se reduza dramaticamente nos próximos anos e de que a razão de dependência, isto é, o número de pessoas que dependerão daquelas que ainda estão no mercado de trabalho, aumente substancialmente. No Japão, essa situação já é uma realidade: desde 1995, a população economicamente ativa encolheu cerca de 8%. Ao mesmo tempo, a população em geral está em declínio. Isso significa, paradoxalmente, que a renda per capita, a renda total gerada pelo país dividida pelo número de pessoas, está em ascensão, embora o Japão não cresça há anos. A renda per capita crescente gera uma situação curiosa: o bem-estar dos japoneses aumenta, ainda que a atividade no país fique estagnada. Isso, por sua vez, implica que não há política de estímulo que induza a população a consumir mais por medo de que seus rendimentos sejam corroídos pela inflação, como gostaria o primeiro-ministro Shinzo Abe. Para que isso acontecesse, seria necessária uma meta de inflação muito mais "ambiciosa" do que os atuais 2% do Banco do Japão.
O Japão é o exemplo mais contundente dos limites do possível da política econômica impostos pela demografia adversa. Em outros países, o dilema é menos grave. Mas não é inexistente. Consideremos, por exemplo, os EUA. A geração nascida no pós-guerra, o enorme contingente de baby boomers, está às vésperas de se aposentar. Além disso, eles enfrentam um futuro sombrio, com a perspectiva de que seus benefícios de saúde e seguridade social sejam drasticamente reduzidos para ajustar as contas públicas do país. É natural, pois, que toda essa gente que hoje representa 20% da população americana não queira consumir, ainda que o Fed facilite as coisas deixando os juros próximos de zero por muito tempo. Aqueles que poderiam ser beneficiados por essa política - os mais jovens que se endividaram para comprar casas e automóveis nos anos de bonança - não podem usufruir plenamente dos esforços do Fed, pois seus orçamentos não permitem. Os estímulos ficam emperrados, a economia não anda como se gostaria.
Parte da dificuldade em incorporar os efeitos da demografia à eficácia da política econômica é que o entendimento da profissão sobre o funcionamento da economia e sobre o comportamento dos consumidores ainda se baseia na teoria e na análise nascidas no final dos anos 40, quando da publicação de Foundations of Economic Analysis, do economista Paul Samuelson. Naquela altura, durante o auge da explosão demográfica, o envelhecimento populacional era, de fato, questão de longo prazo.
A dinâmica demográfica adversa e o surgimento de divergências nos padrões de consumo de diferentes faixas etárias significam que tentar impulsionar a demanda é pouco eficaz. Afinal, uma demanda cada vez mais desigual inibe a potência das políticas de estímulo que afetam todos igualmente. Diante disso, talvez o Santo Graal da velocidade de escape não exista. Talvez até já tenhamos alcançado o ritmo de crescimento pós-crise desse novo mundo velho...
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