O GLOBO - 08/02
O não cumprimento de sentenças da Justiça rompe a ordem institucional. No caso dos mensaleiros, é preciso atenção a manobras para adiar a cassação
Em qualquer eleição, há uma natural exacerbação dos espíritos, mesmo quando transcorre no espaço delimitado do Congresso. Contabilizados os votos, a agenda da vida real se impõe, e os eleitos precisam exercer seus mandatos com os pés no chão.
Devido à coincidência do fim do julgamento do mensalão com a renovação da Mesa da Câmara e Senado para mais dois anos de mandato, o tema do destino dos deputados mensaleiros terminou se infiltrando na campanha para a troca de comandos, principalmente na Câmara.
José Genoino (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), mensaleiros condenados à prisão, se transformaram em foco de tensão entre — não a Câmara como instituição —, mas uma ala do PT e o Supremo, porque a Corte determinou a perda de mandato dos parlamentares.
A questão ganhou contornos de choque entre Poderes diante da postura de simples militante petista assumida pelo ainda presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), numa defesa descabida da desobediência do veredicto da mais alta instância da Justiça. Maia chegou a oferecer asilo aos mensaleiros no prédio da Câmara.
O encontro , anteontem, entre o recém-eleito presidente da Casa, Henrique Alves (PMDB-RN), e o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, serviu para colocar o assunto em sua verdadeira dimensão.
— Não há hipótese de não se cumprir a decisão (perda de mandatos) do Supremo — disse Alves, numa retificação do que afirmara antes de se eleger para o principal posto na Mesa da Câmara.
A base legal para o veredicto do Supremo é passível de discussões jurídicas. Por isso, quatro dos nove ministros que julgaram este item do processo do mensalão preferiram deixar para a Câmara a decisão sobre o destino dos deputados. Mas cinco, a maioria, defenderam o oposto. E não importa se os deputados foram cassados por apenas um voto de diferença. Este foi o veredicto do STF, e, como tal, não pode deixar de ser cumprido. Caso contrário, quebra-se a ordem jurídica, algo de implicações político-institucionais muito graves.
É possível que o encaminhamento do caso dos quatro deputados mensaleiros seja o mesmo das cassações decretadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Há uma tramitação do processo, sem que a Câmara discuta o mérito do veredicto da Justiça. O problema passa a ser o tempo desta tramitação. Sintomático que o PT se articule para controlar o Conselho de Ética da Câmara. Como cassações pela Justiça são executadas pela Mesa da Casa, não se prevê que o Conselho intervenha na perda de mandatos do mensaleiros.
Mas é preciso ficar atento às manobras no Congresso. Até porque é real o risco de a execução da sentença do STF ser postergada, para os mensaleiros cumprirem o mandato até 31 de dezembro do ano que vem. Será uma desmoralização para o Congresso e se consumará a afronta à Justiça.
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