Barbara Tuchman (1912-1989), renomada escritora e historiadora norte-americana, fez muito sucesso, nos anos 1980, com o livro A Marcha da Insensatez. Nele, a autora aponta a insensatez ou a obstinação como uma opção política recorrente no curso da História, acarretando a ruína ou o infortúnio dos governos. Em favor de sua tese, oferece inúmeros exemplos, desde o cavalo de Troia até a aventura norte-americana no Vietnã.
A política tributária presta-se com singular utilidade para a prática da insensatez. Assim ocorre quando há exação imoderada, linguagem complexa ou obscura, sobrecarga de burocracia, etc. No Brasil, temos inúmeros exemplos de insensatez tributária. Neste artigo, destaco um deles.
Elisão fiscal ou planejamento tributário é tema ainda sujeito a muitas controvérsias doutrinárias. Corresponde à possibilidade de o contribuinte, pretendendo à economia tributária inerente à própria gestão dos negócios, fazer uso de brechas legais.
A legislação de inúmeros países considera abusivo o planejamento que busca exclusivamente a economia tributária. Neste caso, a administração, sem desfazer os atos ou negócios jurídicos efetivados, desconsidera seus efeitos tributários.
A Lei Complementar n.º 104, de 2001, introduziu o parágrafo único do artigo 116 no Código Tributário Nacional (CTN), admitindo a possibilidade de desconsideração administrativa dos atos ou negócios jurídicos praticados, na hipótese de dissimulação. Conferiu eficácia limitada à norma, porque condicionou sua concretude à aprovação de procedimentos específicos em lei ordinária.
O foco dessa norma geral antielisiva é a dissimulação, entendida como um meio real de encobrir algo também real, nos limites da lei. Em contraste, a simulação, qualificável como crime, é a pretensão de enganar em relação a algo que não é verdadeiro.
Os artigos 13 a 19 da Medida Provisória n.º 66/2002 cuidaram de estabelecer os procedimentos que dariam eficácia plena à norma antielisiva. O Congresso Nacional, no entanto, os rejeitou no projeto de lei de conversão. Em consequência, a norma não pode ser aplicada, até que sobrevenha a aprovação de um regramento específico.
Não é assim que tem feito o Fisco. Fazendo uso de subterfúgios de linguagem, como deslocamento ou reclassificação de rendimentos, com frequência autos vêm sendo lavrados envolvendo, na prática, a desconsideração administrativa do que se presume ser dissimulação, desconhecendo a exigência dos procedimentos específicos.
Na esteira dessa prática, foram lavrados, no ano passado, autos bilionários. Em tese, nada demais, desde que sejam procedentes.
Pude constatar, contudo, autos que têm por base uma pretensa dissimulação, mesmo sem uma vinculação ostensiva ao parágrafo único do artigo 116 do CTN. Quais as consequências disso? Repercussões sobre a imagem das empresas, que se obrigam a noticiar como fato relevante danos patrimoniais expressos imediatamente na queda do valor das ações, inibição de negócios com possíveis investidores, inclusive estrangeiros.
Não são bem autos de infração. São autos de fé, seja porque reproduzem a tortura falsamente moralista da Inquisição, seja porque decorrem mais da fé que da convicção da autoridade lançadora.
Admitindo-se que não prosperem esses autos, quem irá reparar os danos morais e financeiros desses contribuintes? Não temos uma legislação que efetivamente cuide da responsabilidade objetiva do Estado. Não há sucumbência administrativa.
Não seria mais razoável editar uma legislação que, de uma vez por todas, estabeleça os procedimentos para proceder à desconsideração administrativa? Essa omissão legislativa é extremamente danosa para os investimentos no Brasil.
Em menor escala - nem por isso menos importante - estão sendo julgados lançamentos feitos contra jornalistas e desportistas, a pretexto de prestarem serviços por meio de pessoa jurídica da qual são sócios.
O que, de fato, aconteceu? As inscrições das pessoas jurídicas foram aceitas, mesmo porque não infringiam a legislação. Os impostos foram recolhidos. As obrigações acessórias foram atendidas. Nenhuma restrição por parte do Fisco. Nem sequer um ato declaratório interpretativo foi editado. De repente, as autuações. Não parece deslealdade do Estado?
O artigo 129 da Lei n.º 11.196/05 esclareceu a matéria definitivamente, quando, em caráter interpretativo, disse que a prestação de serviços intelectuais por pessoas jurídicas, em qualquer hipótese, se sujeita tão somente à legislação a ela aplicável. Trata-se de um truísmo necessário, para prevenir situações esdrúxulas.
Desde a edição daquela lei não ocorreram mais autuações. De mais a mais, em 2011, o Código Civil foi alterado para admitir a empresa individual de responsabilidade limitada.
Restou o julgamento de alguns desportistas e jornalistas, escolhidos sabe-se lá por qual critério, quando, em verdade, se tratava de uma prática generalizada, aberta e admitida, além de obviamente lícita. É de esperar que o julgamento desses processos restaure a justiça.
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