FOLHA DE SP - 01/01
As reuniões sobre segurança alimentar já são enfadonhas. O risco de desabastecimento e outros desafios são famosos. Mas nada concreto é feito...
Desde a Rodada Uruguai do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, na sigla em inglês, instituição que antecedeu a OMC, Organização Mundial do Comércio), os países se agrupavam de acordo com a similaridade dos seus interesses.
Mas foi com a Rodada de Doha, iniciada há 11 anos e cujos avanços até agora foram pífios, que surgiram muitos outros grupos, cuja designação sempre começa com a letra G.
Destaca-se o G20, liderado pelo Brasil, com uma visão flexível sobre a abertura do comércio agrícola, embora seus membros disputem diferentes posições quanto ao nível dessa abertura. É natural, pois aí estão gigantes como a China e a Índia, ao lado de países pequenos como Cuba e a Bolívia, entre outros.
Já havia o G-Cairns, o grupo de países exportadores agrícolas, a Austrália à frente. Este perdeu um pouco de protagonismo com o G20.
Há o G10, de países que se consideram vulneráveis às importações agrícolas, o grupo Africano, o grupo de países de economia em transição, o G7, dos países mais ricos do mundo, e assim por diante.
Apesar do imobilismo de Doha, a ideia dos grupos permaneceu, dando origem a outro G20, composto pelas principais economias do planeta, cujo objetivo foi enfrentar as crises financeiras, a partir de 2008. Boa parte de suas metas se deve à falta de atuação de outras organizações multilaterais e aos riscos decorrentes desse vazio institucional.
Pois bem. O mundo está diante de um desafio monumental, o da segurança alimentar e energética sustentáveis. Não passa uma semana sem que, em diversos países, sábios, cientistas, especialistas, economistas, sociólogos, engenheiros, agrônomos, administradores, advogados, traders, políticos, diplomatas e todo tipo de profissionais se debrucem sobre esse tema em eventos variados.
Já há um certo enfado nas reuniões. Todo mundo sabe que em 2050 teremos 9 bilhões de pessoas no mundo, que até lá precisaremos dobrar a produção de alimentos e fazer mais do que isso em energia. Todos sabem que é preciso preservar os recursos naturais (inclusive por causa do aquecimento global), que o poder aquisitivo da população de países emergentes vai crescer, que as regras de comércio agrícola precisam ser flexibilizadas (com redução dos subsídios dos ricos).
Todos sabem que a tecnologia agrícola tropical tem que ser levada ao continente africano, que a agroenergia não pode suplantar a produção de alimentos, que o desmatamento deve diminuir etc., etc., etc.
Todo mundo está careca de saber disso. Mas nada de concreto é feito, por mais que a FAO (Organização de Agricultura e Alimentação da ONU) se esforce para convencer o mundo dos riscos de desabastecimento.
Boa parte desta inércia se deve à falta de lideranças globais. Boa parte se deve ainda à visão urbana de muitos governos, que entendem segurança alimentar apenas sob a ótica do abastecimento, porque isso dá votos, e se esquecem de que não se abastece sem produção.
Falta um esforço dirigido para a produção, com ênfase aos fatores ligados a ela: tecnologia, logística, financiamento, estoques, seguro de preços, regras de comércio, bolsas eficientes, infraestrutura etc.
E muitos países produtores sabem como fazer isso tudo, mas falta coesão em torno do assunto.
Está na hora de criar um novo grupo, o G da produção. Os países com disponibilidade de terra, tecnologia ou know how poderiam se juntar, com apoio da FAO, e montar um gigantesco projeto de aumento da produção rural, com renda garantida aos produtores pequenos, médios e grandes de todos os continentes.
O Brasil tem que estar no comando deste G, ao lado do Canadá, Argentina, China, Estados Unidos, Índia, Rússia, Ucrânia, Indonésia, Sudão, Congo e Austrália, entre outros.
Eis um desafio formidável para a boa equipe do Itamaraty liderar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário