quinta-feira, janeiro 03, 2013

O mundo livre do abismo - ALBERTO TAMER


O Estado de S.Paulo - 03/01


Mais uma vez a economia americana foi salva do desastre no último instante, com a aprovação pela Câmara de Representantes, às 11 da noite de terça-feira, de um acordo contra o abismo fiscal. Na madrugada do mesmo dia, os senadores haviam aprovado as medidas para evitar um arrocho orçamentário suficiente para jogar o país de novo na recessão e dificultar a superação da crise global. Na Câmara, dominada pelos republicanos, a resistência da oposição foi muito mais forte e a insegurança predominou até pouco antes da votação. O resultado final foi recebido com manifestações de alívio em todo o mundo e as bolsas fecharam os pregões com grandes altas. O susto passou, mas nem todos os riscos foram afastados e o presidente Barack Obama ainda terá de enfrentar novas negociações com os oposicionistas. A dívida federal chegou a US$ 16,4 trilhões na virada do ano, bateu novamente no teto e será preciso mais uma vez elevar seu limite. A discussão desse tema será um dos pontos principais da agenda presidencial nos próximos tempos.

EUA voltam a crescer. A economia americana cresceu no terceiro trimestre em ritmo equivalente a 3,1% ao ano. É um fator essencial para o crescimento mundial - ela representa sozinha 24,5% do PIB global -, já que não se poderá contar com os 27 países da União Europeia, com participação igual. Foi um desempenho mais que invejável para a maior parte dos países desenvolvidos e até para um dos grandes emergentes, o Brasil. De outubro para novembro, o desemprego caiu para 7,7% da força de trabalho, enquanto continuou em alta na Europa. Não se sabe ainda se a produção terá perdido impulso nos últimos três meses, nos EUA, mas indicadores do setor industrial têm sido positivos. Todos têm, objetivamente, excelentes motivos para torcer pela recuperação do mais importante mercado consumidor. Com a reativação americana, a economia global será de novo puxada por mais um potente motor.

Republicanos, ainda atrapalham. Mas o desafio enfrentado por Obama seria muito menos assustador se fosse apenas econômico. A economia americana ainda é uma das mais flexíveis e criativas do mundo e sua capacidade de recuperação foi muitas vezes comprovada. Mas o problema é fundamentalmente político, porque as bandeiras dos conservadores incluem cortes em programas sociais e barreiras a qualquer elevação de impostos para as classes de renda mais altas.

Para conseguir o acordo e evitar a queda no abismo, o presidente foi obrigado a ceder em pontos importantes. Desistiu de conseguir um aumento de imposto para os contribuintes com renda individual acima de US$ 200 mil por ano ou casais com ganho superior a US$ 250 mil. Teve de aceitar um teto mais alto - US$ 400 mil para solteiros e US$ 450 mil para casais.

Os republicanos também cederam, porque combatiam qualquer nova tributação desse tipo, mas tiveram vitória parcial. Foram preservados benefícios fiscais para bolsas de estudos, pesquisas e atenção às crianças, assim como o seguro, por mais um ano, para 2 milhões de desempregados. Mas Obama foi incapaz de evitar a elevação do desconto sobre o salário. Além disso, ainda será necessária uma negociação para evitar um corte automático de gastos de US$ 110 bilhões em de dois meses.

Europa em recessão. Na Europa, o crescimento econômico deve continuar lento em 2013, e o desemprego, elevado. Houve sinais de melhora em algumas economias e até de algum avanço do governo grego na redução do déficit fiscal, mas o risco de mais recessão permanece. Para a OCDE e outras instituições, dificilmente ela será evitada porque até agora todos os esforços se concentraram em tentar solucionar a crise da dívida e nada foi feito ou está planejado para estimular os investimentos e a atividade econômica.

Só finanças não salvam. Uma das novidades mais importantes do fim do ano foi o acordo entre os governos da zona do euro em torno de uma política bancária centralizada. O Banco Central Europeu ficará encarregado de fiscalizar e disciplinar as instituições mais importantes. Isso pode contribuir para a separação dos problemas dos bancos e dos Tesouros nacionais. Mas faltam outras medidas para impulsionar as economias da região.

Reação chinesa. A China deve reagir, depois de alguma desaceleração em 2012, mas seu crescimento provavelmente será mais lento que na década anterior. Ainda assim, continuará sendo o principal foco de dinamismo internacional e um grande mercado para as commodities brasileiras. O plano do governo prevê 7,5% este ano, voltado agora mais para o mercado interno com o objetivo paralelo inclusive de melhor os padrões de vida e consumo de uma população mais exigente. Um cenário melhor dependerá, nos próximos meses, principalmente do sucesso político de Obama e de novos avanços da economia americana.

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