O GLOBO - 02/01
Pelas implicações políticas do julgamento do mensalão, o processo não tramitaria no Supremo sem gerar turbulências. Afinal, sentavam-se no banco dos réus a cúpula do PT na campanha do primeiro mandato de Lula, em boa parte da sua gestão inicial, e políticos da base parlamentar do presidente. Base esta colocada no centro do caso, pois, segundo a acusação feita pelo Ministério Público Federal — e aceita pelo STF —, ela foi montada em troca de dinheiro sujo injetado no esquema de lavagem de Marcos Valério, o valerioduto, parte dele de origem pública.
Parecia haver, na defesa, alguma confiança em que uma suposta falta de provas materiais, somada à tese do “caixa dois” como um simples delito eleitoral, serviria para livrar da condenação cabeças coroadas, reduzir a pena de muitos e, talvez, livrar todos de condenações a serem executadas em regime fechado. Ao lado disso, pressionava-se de forma aberta os ministros da Corte. Em julho, um dirigente da CUT, braço sindical petista, ameaçou “ir às ruas” caso o julgamento não fosse “técnico”. Quer dizer, julgamento “técnico” seria aquele que inocentaria os mensaleiros; o “político”, os condenaria. Como foram condenados os mensaleiros mais proeminentes, surgiu o discurso contra o STF, tachado de “tribunal de exceção”, visto como capturado por sibilinos grupos de “direita”. O delírio não prosperou. Houve, sim, uma denúncia bem estruturada pelo MP, apresentada pelo procurador-geral, Roberto Gurgel, e um voto do relator, Joaquim Barbosa, vitorioso no Pleno do Supremo no julgamento da grande maioria dos réus. Também não se sustenta a ideia de que a Corte flexibilizou a aplicação da lei. Na verdade, critérios aplicados na análise da acusação e que levaram à condenação de mensaleiros nada têm de novidade, são jurisprudência conhecida.
A teoria do “domínio do fato”, por exemplo, atualizada posteriormente pelo jurista alemão Claus Roxin, condenou prisioneiros de guerra de alta patente nos tribunais de Nuremberg e Tóquio, depois da II Guerra. Todos se declararam inocentes, mas, diante do que haviam sem dúvida feito, e do entendimento de que, por serem chefes, tinham “o domínio do fato”, não escaparam. O mesmo aconteceu com o ex-ministro José Dirceu. Contra ele, pesaram provas “circunstanciais/evidenciárias” e “testemunhais”, previstas na legislação. O chefe, ficou entendido em Nuremberg, Tóquio e Brasília, não precisa deixar documento assinado, ter conversa gravada, terminar surpreendido em vídeo para ser responsabilizado por crimes que, por óbvio, cometeu. O superior hierárquico não costuma deixar provas materiais, rastros, e isso não pode ajudá-lo a escapar da Justiça. Este entendimento ganhou, no mensalão, o reforço de depoimentos de testemunhas, evidências e perícias.
Sem qualquer contorcionismo intelectual, mas considerando a importância emblemática do processo do mensalão, o STF estabeleceu parâmetros para que os tribunais em todas as demais instâncias ergam barreiras de contenção contra a corrupção na vida pública. É o que se espera.
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