CORREIO BRAZILIENSE - 15/12
Por mais distante que você tente se manter de toda essa guerra dos royalties, é justamente esse o desejo de políticos espertos e de algumas personalidades: levá-lo para o meio do campo da batalha política, como um soldado sem causa
As cenas a seguir são absurdas. Mas, vamos lá, faça um esforço. Imagine que, de uma hora para outra, o vizinho capixaba bate à porta e despeja um lote de impropérios, chegando mesmo a chamar você, nascido em Pernambuco, de aproveitador por querer tirar dinheiro do Espírito Santo. Ou suponha você, na verdade um capixaba ou talvez carioca, abordado por um paraibano que o chama de egoísta por não querer dividir o bolo orçamentário. Por mais distante que você tente se manter de toda essa guerra dos royalties, é justamente esse o desejo de políticos espertos e de algumas personalidades: levá-lo para o meio do campo da batalha política, como um soldado sem causa. Você, é claro, não tem nada com isso.
A disputa pelo futuro dinheiro do petróleo virou algo insano, em que todos se xingam, como na sessão de terça-feira, quando um deputado do baixo clero — tão baixo que ninguém sabia o nome — gritava “é sacanagem, sacanagem, é sacanagem...”. Pela indignação de botequim, parecia alguém irritado com o pedido de votação de urgência dos vetos da presidente Dilma Rousseff aos artigos de um projeto sobre redistribuição dos royalties, aquele dinheiro pago aos governos federal e estaduais pelas empresas exploradoras do petróleo. Diga-se que a discussão nunca passou pela eficiência na gestão dos recursos. Ao contrário. Ficou no bate-boca emotivo sobre quem merecia o dinheiro do ouro preto.
A estratégia de cariocas e de capixabas depois da aprovação do regime de urgência — o que levará o projeto para a pauta na próxima semana — foi culpar a falta de liderança de Dilma. O mal-estar aumentou quando a presidente disse que não havia mais nada o que fazer depois do veto à parte do texto. “Eu já fiz todos os pleitos. O maior foi vetar. Não tem nenhum gesto meu mais forte do que o veto. O resto seria impossível. Eu não vou impedir que ninguém vote de acordo com a sua consciência”, disse Dilma, em Moscou. Assim, foi acusada por cariocas e capixabas de não ter força. É uma injustiça tão grande quanto insuflar brasileiros de um estado contra brasileiros de outro a partir de passeatas com artistas.
A presidente fez o que pôde, como disse. Inclusive mandou o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, para coordenar uma entrevista coletiva há duas semanas sobre os vetos. O camarada se saiu tão bem — fazendo uma defesa tão eloquente sobre a necessidade de respeitar os contratos já assinados — que chegou a ser elogiado por parlamentares da oposição. Ou seja, Dilma vetou e se justificou cuidadosamente. Mas não adiantou. É razoável acreditar que tais brigas fazem parte do jogo político por espaço e orçamento. Chega a ser até aceitável, a partir de determinados argumentos, defender a manutenção das regras atuais para áreas licitadas e distribuir o bolo para os contratos futuros. O que é impensável é deixar você, meu caro leitor, contra o vizinho de porta. Esqueça.
Niemeyer
No último sábado, pedi aos leitores que imaginassem como seria o Congresso com o arquiteto Oscar Niemeyer no cargo de senador — algo factível em 1986, como mostrou este Correio. Entre as manifestações, uma chegou por carta. Em três laudas, Danilo Gomes escreveu que Niemeyer teria pouca paciência com o parlamento. “Ele não teria jogo de cintura e vocação para agüentar (faço questão do trema) oito anos no Senado (...). Em pouco tempo ele faria um histórico discurso de protesto e cairia fora, voltando para o seu amado Rio e para a sua prancheta, onde criou obras em inúmeros países.”
Outra coisa
A vida de um correspondente internacional parece glamourosa. O mundo real é diferente, entretanto, pelo menos para os repórteres honestos, aqueles capazes de fazer relatos crus e certeiros. É o caso de Andrei Netto, jornalista brasileiro baseado em Paris, que acaba de lançar O silêncio contra Muamar Kadafi (Companhia das Letras, 400 páginas, R$ 49,50). O texto de Andrei é em primeira pessoa e relata viagens à Líbia, incluindo o período da morte do ditador e o próprio sequestro, feito pelos milicianos pró-Kadafi. Andrei faz um belo making-of do trabalho de correspondente. Obrigatório a estudantes de jornalismo.
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