FOLHA DE SP - 31/12
RIO DE JANEIRO - Foi há algumas semanas. O homem de barbas nazarenas, talvez com restos de macarrão entre elas, e cabelo descolorido, comprido e embaraçado, carente de água que não fosse de chuva, surgiu à minha frente na calçada. Usava uma bata indiana, adornada de miçangas, espelhinhos e símbolos antiguerra, sobre calças de campanha, estilo camuflado, talvez compradas num brechó, que podem ter sido usadas por um soldado de verdade no Vietnã. Nos pés, um par de sandálias, deixando entrever alguns dedos e unhas sob as várias camadas de cascão.
Até aí, tudo bem. Seria apenas mais um foragido de Woodstock ou de Arembepe -a idade era indefinida, algo entre 50 anos e uma gaveta no São João Batista. Ou alguém mais jovem, que não se conformava por não ter vivido o tempo em que Jimi Hendrix, Janis Joplin, Santana, o Jefferson Airplane e o Creedence Clearwater Revival dominavam a Terra. Às costas, um violão, para a eventualidade de alguém precisar ouvir com urgência "Suzie Q", "I Shall Be Released" e "Let the Sunshine in".
O problema era o cenário em que se deu essa aparição. Não era uma calçada comum, mas o calçadão de Ipanema, entre a ciclovia e a areia, na altura da rua Vinicius de Moraes -reduto de bronzes de ambos os sexos, dedicados à prática de vôlei, futevôlei, skiboard surf, stand up paddle e outras disciplinas, para as quais os obscuros Wilhelm Reich, Norman O. Brown, Joe Cocker e o Sha-Na-Na devem ter sido contemporâneos dos mamutes ou dos tigres-dentes-de-sabre.
E, mais uma vez, se fosse só isso, também tudo bem -Ipanema recebe gente de toda parte, sem perguntar de onde vem. Acontece que, às nove da manhã e a uma lua de 35 graus, o sujeito estava se exercitando, correndo no calçadão, na companhia de um personal trainer.
Deve ser uma nova forma de barato, que a ciência ainda não catalogou.
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