CORREIO BRAZILIENSE - 07/12
Lá se vão sete anos e meio desde que conheci o Canadá. O desembarque em Toronto, em julho de 2005, foi surpreendente. Ao entregar o passaporte ao funcionário da migração, ele abriu e exclamou num inglês de acento britânico carregado: “Brasília… Oscar Niemeyer!”. Surpresos, eu e Paulito, meu marido, puxamos assunto e perguntamos se aquele simpático senhor conhecia a cidade. “Não, conheço o trabalho de Oscar Niemeyer. Aqui têm prédios inspirados na obra dele.”
Ficamos espantados com o fato de aquele senhor olhar para um casal de brasileiros sonados pelo desconforto da classe econômica e não dizer palavras, tais como, “Pelé”, ou “futebol”, “Ronaldo”, “Rivaldo”, ou mesmo, “samba”, “carnaval” ou quem sabe “rain forest” (floresta tropical) ou “Amazon river” e — por que não, “Rio de Janeiro”? Para completar, era a primeira vez que ouvíamos de alguém de fora da cidade dar a Brasília um sinônimo diferente de “corrupção”, “terra de ninguém”, “um lugar sem esquinas”, “cidade fria”.
Voltamos das férias ainda mais orgulhosos de Niemeyer e sua obra, com um interesse maior. Aquele simpático senhor canadense citou inclusive o City Hall, inaugurado em 1965 em Toronto como uma obra inspirada nos traços do brasileiro. Naquele tempo, Brasília e sua arquitetura, ainda na primeira infância, deslumbravam o mundo. Ali, Niemeyer e Brasília viraram sinônimos.
Coube ao destino e à salutar liberdade que reina na democracia que Niemeyer recebesse ontem, no Palácio do Planalto, um dos prédios que projetou, a homenagem de corpo presente dos brasilienses, algo que o presidente Juscelino Kubitschek, infelizmente, não obteve. No tempo da ditadura militar, em 1976, JK só não teve um enterro clandestino porque a população saiu às ruas desafiando a linha dura do regime.
O arquiteto, no exílio, viu seus projetos àquela época dispensados pelos generais e governadores nomeados. O amigo e ex-genro, o arquiteto Carlos Magalhães, lembrava ontem do projeto do estádio de futebol, recusado pelos governantes. “Oscar inclusive fez uma carta desaforada ao Prates da Silveira (governador à época) reclamando da dispensa dos projetos do estádio de futebol e da feira agropecuária. Ele ficou muito aborrecido”, diz Magalhães, que guarda uma cópia do documento.
A ministra-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Helena Chagas, repórter à época que o arquiteto pôde retornar à capital, recordava dos idos do governo do ex-presidente José Sarney, quando Niemeyer foi convidado a revisitar sua obra e circular livremente por ela. O criador dos monumentos da cidade reclamou dos mármores brancos instalados do prédio do Ministério da Justiça e pediu que recompusesse a beleza original. No mesmo saguão onde os amigos do arquiteto recordavam suas histórias, governo e oposição se impuseram uma trégua. Ali estiveram o presidente do PPS, Roberto Freire, crítico contumaz do governo petista, o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP), que ao ver o caixão com o corpo de Niemeyer subindo a rampa, não se segurou: “Pela primeira vez, alguém de esquerda sobe a rampa do Planalto”. Foi o único instante de ironia naquele momento em que amigos, familiares e autoridades se uniram para velar Oscar.
Por falar em velar…
Depois dos familiares e da presidente Dilma Rousseff, os ministros fizeram uma fila para passar ao lado do caixão do arquiteto. O burburinho na sala aumentou. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e o da Fazenda, Guido Mantega, trocavam umas palavras já bem próximos ao centro do Salão Nobre, quando o locutor deu um bronca geral: “Solicitamos a todos o silêncio que o momento requer”. Mantega e Tombini cessaram a conversa na hora.
Enquanto isso, no STF…
Segue hoje o que talvez seja o último ponto mais polêmico do julgamento do mensalão: a definição se os ministros podem ou não determinar a perda do mandato dos parlamentares condenados. A argumentação de Ricardo Lewandowski foi contundente ao dizer que essa função é privativa do parlamento. Usou inclusive a expressão “jurisprudência torrencial”. Ou seja, se o STF decidir de forma diferente, estará inovando. Mas essa é outra história.
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