quarta-feira, novembro 28, 2012

O papel dos empresários no desenvolvimento - ELIANA CARDOSO


O Estado de S.Paulo - 28/11


Quando Augusto e Haroldo de Campos publicaram o Panaroma do Finnegans Wake (isso mesmo, Pan-aroma: um panorama dos aromas da obra quase impenetrável de James Joyce), fizeram-no antes mesmo que Ulisses (livro menos cabeludo e mais conhecido do mesmo ficcionista) tivesse encontrado um tradutor no Brasil. Por aqui somos craques: começamos pelo mais difícil.

No Panaroma encontra-se a tradução de um trecho da leitura de Finnegans Wake feita por Joseph Campbell. Campbell compara a divisão do livro de Joyce em quatro partes com a separação da história universal em quatro fases (segundo Giambattista Vico): a teocrática, a aristocrática, a democrática e a caótica.

No caso do Brasil - comento, durante um almoço com colegas da FGV -, pulamos da fase teocrática para a caótica, o que explica tantas falhas no entendimento do nosso desenvolvimento. E, é claro, a conversa logo se desvia para a formação econômica do País.

O professor André Portela de Souza me garante que não sobra um único especialista em história econômica que ainda acredite no caso brasileiro do velho modelo do latifúndio escravagista, fundado unicamente na exportação de bens primários. O professor Leonardo Weller ri, pois, ensinando história econômica, pode lamentar que os textos usados nas universidades ainda se articulem ao redor dos equívocos de Caio Prado Jr. e sua Formação do Brasil Contemporâneo, onde se lê: "Se vamos à essência de nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamantes; depois, algodão e em seguida café, para o mercado europeu. Nada mais que isso".

Entretanto, a tese de Caio Prado e Gilberto Freyre encontra-se desmentida pela evidência acumulada desde 1980 em pesquisas acadêmicas. Dizem Francisco Vidal Luna e Herbert Klein (Economia e sociedade escravista, no livro Escravismo em São Paulo e Minas Gerais): "Nos últimos trinta anos, emergiu no Brasil uma nova compreensão da sociedade escravista organizada nos períodos colonial e imperial, especialmente no aspecto do modo como a mão de obra cativa foi usada. Esses novos estudos sobre a posse e o trabalho escravo questionaram a visão tradicional da escravidão brasileira exposta por Gilberto Freyre, que em sua obra sobre os engenhos do Nordeste propôs o modelo da grande lavoura escravista. Essa visão dominante começou a ser contestada na década de 1980 com estudos mostrando que os pequenos proprietários de escravos predominaram na economia extrativa de Minas Gerais nos períodos colonial e imperial".

Pouco a pouco, tornou-se injustificável a hipótese da predominância do modelo da grande lavoura. A maioria dos proprietários de escravos em Minas Gerais possuía menos de cinco cativos e a base da economia estava na roça de subsistência ou na propriedade de criação pecuária. Amílcar Martins Filho e Roberto Martins (Slavery in a Non-Export Economy, na Hispanic American Historical Review, 1983) explicam a imposição do uso da mão de obra escrava pela imensidão da fronteira agrícola. Não havia suprimento voluntário de trabalho assalariado, porque era sempre possível encontrar terra para sobreviver como produtor independente.

Na mineração de ouro de aluvião em Minas Gerais no século 18, pequenos proprietários prevaleceram. Estudos sobre a agricultura em várias regiões do País também mostraram a predominância de pequenos proprietários de cativos ao mesmo tempo que os grandes proprietários de terras exploravam parcelas reduzidas de seus domínios, por causa do número relativamente pequeno de escravos que possuíam e da disponibilidade limitada de tecnologia.

Francisco Vidal Luna e Herbert Klein também questionam a tese de uma dicotomia entre, de um lado, uma minoria de senhores de engenhos (exportadores e donos de escravos) e, de outro, a maioria dos brancos, pardos e negros livres que não possuíam escravos. Pelo contrário, a mão de obra escrava esteve presente em todas as áreas da economia, quer orientada para o mercado interno, quer para a exportação.

Também desacreditada fica a hipótese de que uma produção para a exportação e outra para o mercado interno se desenvolveram sem elos entre si. Escreve Iraci Del Nero Costa em Arraia miúda - um estudo sobre os não proprietários de escravos no Brasil: "O crescimento econômico, mesmo quando orientado pela expansão do comércio exterior, vinha acompanhado de oportunidades das quais usufruíam também os não proprietários, de sorte que os mesmo não eram excluídos de áreas economicamente dinâmicas, nem perdiam sua posição numericamente dominante".

Os produtores independentes ocupavam o espaço colonial, ao contrário da afirmação de Caio Prado Jr. de que a população livre da economia colonial era formada por "desclassificados, indivíduos de ocupação incerta ou aleatória". Em 1819, deixando de lado as estimativas do número de índios livres, a população brasileira - de 3,59 milhões de pessoas - dividia-se entre 70% de pessoas livres e 30% de escravos. Os brancos (menos da metade da população livre), pardos e negros emancipados eram na sua maioria produtores independentes.

História do Brasil com Empreendedores, de Jorge Caldeira, conta detalhes da economia colonial e suas instituições. Um bom livro, se você ignorar o vocabulário recheado de expressões como "acumulação primitiva" e "trabalho morto". E, como o título do livro indica, o desenvolvimento econômico do Brasil colonial e imperial se deu graças aos numerosos empreendedores independentes.

Hoje não é diferente. O desenvolvimento da economia depende dos empresários inovadores, pois são eles que farejam as oportunidades de lucro e guiam o investimento para as atividades em que inovações e práticas gerenciais avançadas produzem progresso econômico.

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