terça-feira, novembro 27, 2012

O dobro pela metade - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 27/11


Consumidores ficaram indignados com muitas das "promoções" da Black Friday brasileira e botaram a boca no trombone das redes sociais. O Procon de São Paulo notificou empresas e aguarda esclarecimentos. Não é a primeira vez, há multas pendentes deste o evento do ano passado.

A Black Friday brasileira é uma imitação farsesca de um evento de marketing e consumo tradicional nos Estados Unidos. A cópia tupiniquim da sexta-feira consumista americana começa na quinta ou antes e, numa tropicalização malandra, pode ser prorrogada para os dias seguintes. E está se alastrando.

Curioso é que o consumidor brasileiro vive sob as pressões e as tentações de variadas outras "black fridays made in Brazil", mas nem sempre essas outras provocam as mesmas desconfianças e broncas. Atrair compradores com promoções do tipo "o dobro pela metade do preço" é usual no marketing do varejo entre nós. E nem o governo escapa de participar do jogo ilusionista. O caso recente mais notório é o do desconto do IPI no preço dos veículos. A concessão do incentivo tem relação apenas indireta com o preço final cobrado do consumidor, mas quase ninguém se dá conta disso e, como mostram as estatísticas de vendas, é grande o número dos que embarcam na história.

Como os tributos são cobrados "por dentro" dos preços, o público não tem instrumentos para saber se, de fato, a redução do imposto foi repassada no valor cobrado do comprador final. Na verdade, pelas características do sistema tributário brasileiro, em que a ausência de transparência é uma entre muitas distorções, a redução do IPI funciona como uma sanfona da margem de venda, permitindo ajustes conforme o ritmo da demanda.

Se o mercado estiver fraco, é possível usar o desconto para reduzir o preço final sem perda de margem ou pelo menos diminuir a necessidade de contraí-la, em situação de demanda muito retraída. Se, inversamente, o mercado estiver aquecido, o espaço para elevar os preços permitirá aos vendedores apropriar parte ou o total da redução do IPI.

Foi essa última hipótese que aconteceu em agosto, quando, segundo apurou o IBGE, os preços dos veículos subiram no mês, mesmo na vigência do desconto do IPI. A explicação para o forte aquecimento nas vendas foi a de que o benefício expiraria no fim do mês e os consumidores decidiram antecipar compras para aproveitar a "promoção". Interessado em estimular as vendas, o governo esperou até o último momento para anunciar mais uma prorrogação da redução do IPI. Tivemos aí uma Black Friday com patrocínio governamental.

Tirar das brumas a coleção de tributos que transformou o sistema tributário numa teia kafkiana seria providência mais do que positiva. Por isso, o projeto de lei que determina a discriminação de tributos, aprovado no Congresso depois de longos cinco anos de tramitação e encaminhado à sanção da presidente Dilma Rousseff, aponta, como princípio, na direção correta. Mas, infelizmente, ao tentar abarcar toda a nossa macarronada tributária com um único instrumento, corre o risco de se transformar numa espécie de Black Friday da conscientização do peso dos impostos no consumo de produtos e serviços.

Para fins de informar e conscientizar, objetivo explícito do projeto de lei, uma coisa seria exigir a discriminação nas notas e cupons fiscais dos tributos diretamente incidentes sobre os produtos e serviços vendidos, caso do ICMS e do IPI. Outra é querer discriminar, por produto ou serviço vendido, toda a imensa gama de tributos apurados com base no faturamento geral da atividade, como ocorre com a maior parte das muitas contribuições, e aqueles calculados sobre a renda, que não são gerados, pelo menos integralmente, no ato do consumo. Ao pretender mirar em tudo - até contribuições previdenciárias devem ser discriminadas -, o projeto pode acertar em nada.

Alguns alegam dificuldades técnicas e aumentos de custos na operação de discriminar os tributos para rejeitar a novidade, mas as dificuldades técnicas não são insuperáveis e os custos provavelmente pouco expressivos. O próprio projeto aprovado, que assume seu caráter meramente informativo, reconhece essas dificuldades e permite a discriminação por valores ou porcentuais aproximados ou mesmo presumidos, na discriminação dos muitos tributos indiretos. É aí que, ao adentrar o terreno pantanoso das presunções, a ideia bem intencionada corre o risco de produzir mais ilusão do que as vantagens prometidas - como algumas tantas promoções das black fridays.

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