FOLHA DE SP - 17/10
A motivação quase sempre tem caráter geográfico: ou a teoria econômica vira de ponta-cabeça quando cruza a linha do Equador ou deixa de funcionar dentro das fronteiras brasileiras, talvez por conta da malemolência nacional, mas mais provavelmente porque aqui frequentemente se inventa de justificar o injustificável.
Na semana passada, por exemplo, quem se deu ao trabalho de ler a entrevista do secretário-executivo do Ministério da Fazenda há de ter deparado com sua afirmação de que a aceleração do crescimento contribuiria para a redução da inflação, pois a produtividade seria "pró-cíclica", isto é, aumentaria quando a economia cresce e cairia nos períodos de menor expansão.
Tal afirmação é curiosa porque, se verdadeira, significaria que a política monetária adotada por bancos centrais do mundo todo (inclusive o brasileiro, quando ainda se importava em atingir a meta para a inflação) teria sido contraproducente. E mais intrigante ainda porque, mesmo seguindo uma suposta política contraproducente, tais BCs ainda teriam conseguido a proeza de estabilizar a inflação!
De fato, se alguém tivesse que resumir como os BCs que tiveram sucesso ao lidar com o problema inflacionário se comportam, a regra seria simples: eleve a taxa de juros quando a inflação ameaça subir além da meta (um tanto a mais do que o aumento da inflação esperada) e faça o contrário quando a inflação cair abaixo da meta. Em outras palavras, pise no freio quando a inflação sobe e no acelerador quando cai.
O motivo por trás desse comportamento é cristalino: há evidências fortes de que, à medida que o produto (e o emprego) ultrapassa determinados patamares, o crescimento do salário tende a ser maior que o crescimento da produtividade, pressionando os preços.
Em números, se cada trabalhador produz 5% a mais, mas seu salário aumenta 10%, cada unidade produzida ficará cerca de 5% mais cara.
Com a economia aquecida, esses custos são passados para o consumidor, em particular nos segmentos menos sujeitos à concorrência com produtos internacionais, tipicamente os serviços, que, não por acaso, têm sido o principal foco de pressão inflacionária no país.
Dito de outra forma, quando a economia cresce, a menos que saia de uma situação em que o desemprego seja tão elevado que os salários não subam, a inflação se acelera. Não é por outro motivo que BCs bem-sucedidos no quesito inflacionário apresentam o comportamento acima resumido.
Agindo dessa forma, retiram o combustível que alimenta o fogo inflacionário quando a economia se aquece e o injetam de volta quando a temperatura cai abaixo daquela definida como ideal.
No caso brasileiro, em particular, salários vêm crescendo ao ritmo de 8% a 10% ao ano, na comparação ao mesmo período do ano passado, refletindo um mercado de trabalho já apertado, como expresso na menor taxa de desemprego dos últimos anos, em torno de 5,5%, segundo o IBGE.
Como argumentei na minha coluna anterior, contudo, se o crescimento se acelerar, digamos, para os níveis de 4% a 4,5%, como almejado pela equipe econômica, o desemprego deve se reduzir adicionalmente, provavelmente para um patamar da ordem de 3,5% no ano que vem. Não é necessário grande esforço de imaginação para concluir que, em face do aperto adicional do mercado de trabalho, o crescimento dos salários será ainda mais rápido do que hoje.
À luz disso, o crescimento da produtividade teria que ser astronômico para evitar que isso se traduzisse em novas pressões sobre custos e preços. Não há nenhum fiapo de evidência sugerindo que isso seja possível. A historinha do crescimento "pró-cíclico" da produtividade segurando a inflação é, portanto, torcida ou mistificação. Em qualquer caso, não é base para formulação de política econômica.
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