FOLHA DE SP - 17/10
Na linha do quanto pior melhor, faz sucesso na internet uma série de vídeos com o humorista Marcos Castro. Chama-se “Cantadas Ruins”, e há muitos capítulos disponíveis no YouTube.
O rapaz, encardidinho e incansável, se aproxima da atriz, que não é estonteante.
“Vem cá”, começa, num sotaque radiosamente carioca. “Teu pai é mecânico?” A moça estranha; ele continua: “Porque você é uma graxinha”.
Péssima? Espere a seguinte. “Tu é uma egoísta, hein?” Sempre a postos, Luciana Daulizio quer saber por que ele diz isso. “Tu acabou com o estoque de beleza do céu.”
Bem, digamos que não justifica um tapa na cara. Vou para a seguinte. “E aí, tu não é feita de terra. Mas o minhocão quer te comer.” Sai um bofetão.
Há uma divisão básica entre as cantadas do Marcos. De um lado, as melosas, românticas, infantiloides. De outro, as que são puro insulto. Umas provocam vontade de vomitar; outras, o clássico tabefe.
Muitas coisas, de qualquer modo, hipnotizam o espectador. Quanto a mim, move-me a expectativa infantil de que surja uma cantada razoavelmente boa; talvez a definitiva, a infalível, aquela que, um dia, dará certo…
Nem todas são desastrosas; conforme a situação, quem sabe depois de umas três caipirinhas, a moça haverá de se render ao garanhão que está teclando num celular imaginário (é o começo da cantada).
“Alô? Deus? Não está notando a falta de nada aí em cima?” Um silêncio intrigado por parte da vítima. “É que caiu um anjo do céu…”
Ou: “Vem cá, tu tem irmã gêmea? Não? Então com certeza você é a mulher mais bonita do mundo…” Imagino, silenciosa, a risada calhorda: “he, he, he”.
Argh! Mas que delícia! Evidentemente, o aspirante a conquistador que assistir a esses vídeos estará fazendo um curso de boas maneiras, e aprendendo a eliminar todas as possíveis cretinices que diria diante de uma bela mulher.
Cheguei tarde a esses vídeos, mas em todo caso observo que o contrário também pode ser verdadeiro.
Ou seja: as atividades incontroláveis de Marcos Castro estariam encenando, na verdade, a nostalgia do velho e bom cafajestão de bar. O homem que se acha lindo com sua corrente de ouro no pescoço e a fita de Agnaldo Timóteo no Opala rebaixado.
Não, nenhuma mulher civilizada sente falta de tipos assim. Mas vai saber. Antigas práticas sexuais tidas como perversas vão rapidamente passando para o “mainstream”, e o livro “Cinquenta Tons de Cinza” se vende aos baldes por aí.
Pode ser mais chocante e perverso, hoje em dia, excitar-se com Waldick Soriano do que com o marquês de Sade.
Mesmo sem chegar a tais extremos, o pateta das “Cantadas Ruins” tem seus méritos.
O primeiro é que, indubitavelmente, demonstra mais interesse na mulher do que nele mesmo. Sabe-se feioso, com seu nariz adunco, olhos demasiado próximos, o rosto inteiro convergindo para seu objeto de desejo.
Não é do tipo que se admira no espelho depois de malhar na academia. Não tem —e este é um pressuposto do conquistador— nenhum tipo de amor próprio; vai em frente, até o abismo da inconveniência, da burrice.
É um otimista, não porque espere sucesso em sua cantada, mas porque sabe que seu desejo é o que tem de melhor. Tudo não passa de pretexto: a metáfora cachorra, o beicinho manhoso, o disparate angélico.
Um apostador compulsivo pode ou não se importar com os números que escolhe na cartela. Talvez os mesmos, aqueles que sempre lhe dão sorte; talvez meia dúzia de números quaisquer. O que importa é apostar.
Sem dúvida, quanto mais bizarra e sem propósito a cantada, mais a mulher imaginará, por sua vez, que ela própria está apenas no lugar de outra qualquer.
A sem-cerimônia pode ser, ainda assim, uma promessa de autêntico interesse sexual masculino, coisa que, segundo alguns testemunhos, anda fazendo falta hoje em dia.
Certamente, o tipo clássico da histérica está atrás de quem a deseje, mas não de um relacionamento real. O problema é que, atualmente, a histeria (e a vaidade) também se tornaram atributos predominantemente masculinos.
O herói das cantadas ruins não padece de tais defeitos.
As personagens menos vaidosas do julgamento do mensalão são as ministras. Quanto à contraparte masculina, não perde a chance de irradiar sua presença em longos apartes para as câmeras. Dizem até que já estão recebendo cantadas de mulheres quando andam pela rua.
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