FOLHA DE SP - 04/10
Para justificar seu repúdio a uma intervenção externa na crise síria, usou os exemplos de Líbia e Iraque, países com "graves problemas, que provêm de conflitos internos agravados por intervenções externas".
Se eu tivesse má vontade com a presidente, diria que ela está sugerindo que ditaduras como as de Saddam Hussein e de Muammar Gaddafi são preferíveis aos problemas gerados pela queda de ambos, fato só possível pela intervenção militar externa.
Imagino que não seja esse o pensamento da presidente. Ela está apenas manifestando a convicção de que a soberania de cada país é inviolável em qualquer circunstância, mesmo que seja utilizada para massacrar os próprios concidadãos, casos de Iraque e Líbia antes e da Síria agora.
Para a diplomacia brasileira, hoje e sempre, nós não temos nada a ver com isso.
Discordo: o que afeta o ser humano, na Síria como no Brasil, me diz respeito, sim, senhor.
Vale, de qualquer modo, discutir se ditaduras são preferíveis a "problemas" como os que a Síria enfrenta no momento.
Os atentados de ontem no centro de Aleppo dão a entender que não. Sem uma intervenção externa (não necessariamente com tropas), a ditadura vai continuar matando, e a oposição recorrerá crescentemente a atos de terrorismo como os de ontem.
Posto de outra forma: mesmo sem intervenção de fora, ditaduras geram problemas suficientes para horrorizar gente civilizada.
Ainda mais que, como lembrou Nabil El-Araby, secretário-geral da Liga Árabe, as iniciativas internacionais até agora foram incapazes de conter a "hemorragia" na Síria.
De todo modo, só líbios e iraquianos podem dizer se estão melhor agora, depois das ações militares que depuseram ou ajudaram a depor seus ditadores, ou com eles no poder.
O que os de fora podem dizer é o que escreveu Tom Malinowski, diretor em Washington da Human Rights Watch, para a "Foreign Policy".
Primeiro, lembrou que os líbios mostraram solidariedade com os Estados Unidos depois do ataque a sua missão em Benghazi que levou à morte de quatro funcionários, entre eles o embaixador. Mesmo assim, continua, "a solidariedade que os líbios sentem para com países que os respaldaram (...) não é por si mesma argumento suficiente para uma intervenção militar na Síria ou em outro lugar".
Até aí, portanto, Malinovski concorda com Dilma. Mas, em seguida, vem um ponto que a diplomacia brasileira faria bem em discutir antes de aferrar-se à soberania como valor absoluto: "As pessoas que se liberam elas próprias de ditaduras no mundo árabe serão mais suscetíveis de ajudar e ouvir aqueles que as ajudam (e vice-versa).
"Enredar-se nos problemas que surgem com a Primavera Árabe não é algo perigoso para os Estados Unidos, se for com base em princípios e se alinhar Washington com pessoas que lutam por sua dignidade e direitos humanos".
Vale para Washington, vale para Brasília.
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