quinta-feira, outubro 04, 2012
A vez da classe média - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 04/10
A o assumir a defesa dos interesses da classe média, a presidente Dilma parece apontar não apenas para mudanças na condução da sua política econômica, mas também para objetivos novos do seu partido.
Ontem, o mais respeitado jornal de Economia e Finanças do mundo, o Financial Times, publicou matéria e entrevista em que a presidente se propõe a fortalecer não mais o proletariado, mas o consumidor remediado: "Queremos um Brasil de classe média".
Não deixa de ser objetivo marcadamente diferente do que guiou seu antecessor, o presidente Lula, em suas duas administrações. Ele buscou o resgate do trabalhador e dos mais pobres, com seu programa Fome Zero e com a distribuição de cestas básicas.
A própria escolha da então candidata Dilma à Presidência da República foi pautada pelo realce de valores mais próximos das classes médias urbanas do que do trabalhador braçal - até então, o principal foco das atenções do Partido dos Trabalhadores. A mãe do PAC, que nunca antes havia participado de uma eleição, foi apresentada ao eleitor como a gerente mais indicada para uma governança eficiente do patrimônio público.
Dentro do pressuposto de que a própria classe trabalhadora vai ascendendo na escala social, a presidente se mostra interessada em ser vista como defensora dos direitos do consumidor. Quer ser não somente aquela que conseguiu derrubar os juros básicos (Selic) - supostamente contra a vontade dos "rentistas" -, mas a que se engajou na luta contra o jogo dos banqueiros. É o que se vê na queda de braço travada com eles na derrubada dos "custos escorchantes" nos financiamentos; na cobrança por mais interesse na concessão de créditos; na redução dos juros cobrados no crédito rotativo dos cartões; e, agora, também na redução das tarifas bancárias e das taxas de administração dos fundos de investimento.
A bandeira dos direitos da classe média está sendo levantada ainda em outras três iniciativas articuladas pela Presidência da República: na queda das tarifas da "conta de luz"; no enfrentamento das administradoras dos serviços telefônicos; e, nos últimos dias, na decisão de impedir novas vendas de participações em planos de saúde.
A nova força não se manifesta só nas novas e crescentes pressões para que o Brasil seja gerido mais competentemente e para que os direitos dos consumidores sejam mais bem defendidos. Também tem aparecido nos movimentos articulados pelas redes sociais eletrônicas, que clamam por punição exemplar dos corruptos deste país.
Não há indícios de que essa nova agenda presidencial seja fruto de estratégia de longo prazo, formulada a partir de profundas reflexões e do exame das forças políticas e sociais em gestação no Brasil. Parece tudo resultado intuitivo surgido a partir do embate diário do exercício do poder. Em todo o caso, reflete a capacidade de ver as coisas antes da oposição, que continua prostrada e sem discurso. E explica o alto grau de aprovação popular desfrutado até este momento pela administração Dilma.
Falta saber até que ponto a nova postura da presidente será capaz de mudar o Partido dos Trabalhadores, agora convidado a se identificar mais determinantemente com os pontos de vista da pequena burguesia e a abandonar seu jogo - que, até hoje, tem dado prioridade ao aparelhamento do Estado em benefício próprio.
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