CORREIO BRAZILIENSE - 18/09
Nos tempos do telefone “orelhão”, que funcionava à base de ficha, criou-se a expressão “caiu a ficha”, usada quando alguém de se dava conta da importância ou da gravidade de determinado fato. É mais ou menos isso que aconteceu ontem no comando petista e entre os réus do mensalão. A leitura de parte do voto do relator Joaquim Barbosa no capítulo que trata da compra de apoio no Congresso já foi suficiente para tirar quaisquer esperanças de absolvição na Ação Penal 470. E olha que Barbosa apenas começou a tratar do núcleo político. Mencionou justamente o caso do PP, um partido que, na época, nem da base aliada era, mas, mesmo assim, recebeu recursos. Logo, estaria aí, na visão do relator, caracterizada a compra de votos. Para alguns petistas, a senha está dada: se Barbosa diz que houve votos comprados, dirá que houve compradores, ou seja, o antigo núcleo petista está com os dias contados e, justamente nessa reta final da temporada eleitoral.
Barbosa ainda lia seu voto ontem, quando o PT fez circular uma nota chamando seus militantes às ruas para defender o partido, o legado do governo Lula e tentar tirar a estrela da sombra dos malfeitos, alguns já julgados — como o caso do fundo Visanet, em que o STF considerou que houve desvio de dinheiro público. Por isso, logo na primeira linha, a comissão executiva nacional apoia as medidas econômicas da presidente Dilma Rousseff, citando as mais populares — redução dos juros e das tarifas de energia elétrica. Tenta, assim, vincular o partido justamente àquelas medidas que tiveram apoio unânime. Afinal, quem não gosta de juros baixos e conta de luz mais barata?
Em seguida, a Executiva Nacional petista entrou no que interessa no momento à legenda: levar seus militantes a defender seus candidatos nessas eleições. A forma como o PT convoca seus filiados à campanha lembrou os tempos antigos, quando o partido não tinha tanto dinheiro, nem poder. Era uma época em que muitos corriam à loja de tecidos mais próxima em busca de um pano vermelho para costurar em casa a sua bandeira do PT. Eram voluntários lutando por uma causa. Agora são novamente convocados para afastar esse clima de condenação e lembrar ao eleitor as coisas boas do governo Lula. Resta sabe se atenderão ao chamado.
Por falar em clima…
Dentro do PT, há quem diga que essa defesa deveria ter sido feita há alguns anos — e pelo próprio Lula. Durante todo o período que esteve no governo, o ex-presidente não enfrentou o debate do mensalão. Em 2011, quando recém havia deixado a Presidência da República, Lula mencionou no aniversário do partido que era chegada a hora de discutir esse assunto de forma clara dentro da legenda. Mas o tempo passou, o ex-presidente foi cuidar de outros temas e, depois, veio o câncer que tirou Lula de cena. Agora, curado, ele volta em pleno julgamento embolado com a eleição municipal. Mas não se pode colocar a culpa em Lula. O PT, ao longo de sete anos, simplesmente não encontrou um tempo para fazer esse debate e construir a sua defesa política antes do julgamento. Foi empurrando com a barriga. Primeiro, foi a reeleição de Lula, depois a construção da candidatura de Dilma. O resultado é que agora terá que improvisar, a três semanas das eleições.
Paralelamente, há outro problema nesse improviso: parte daqueles que costuravam suas próprias bandeiras saíram para fundar o PSol ou seguiram outros rumos, justamente por discordar não só da proposta de reforma da Previdência, mas também da aliança com partidos que classificavam de “direita”, como o PP, o PTB e o antigo PL — coincidentemente os mesmos que têm seus comandantes em 2004 como réus na Ação Penal 470.
Por essas e outras é que, da mesma forma que os petistas vislumbram a condenação de seus antigos comandantes, muitos no partido não têm dúvidas de que enfrentarão nas próximas três semanas talvez a eleição mais difícil de toda a sua história. E, diante de decisões do STF, soa falso dizer que tudo não passou de armação política. Esse discurso, o PT ainda não encontrou. Diz apenas que os réus têm CPF e não CNPJ. Ou seja, o partido não fez até agora — e, pelo visto, não fará — o debate do mensalão. (E olha que até aqui não citamos sequer as supostas declarações de Marcos Valério e a tentativa de envolver Lula no enredo. E é de se estranhar o silêncio do PT a respeito dessas supostas declarações. A nota do partido, convocando os militantes, fala em eleição, na defesa de Lula, mas não explica os motivos pelos quais Lula, o mais popular do partido, precisaria de defesa. Diante dessa constatação, é possível afirmar que o PT continua firme na decisão de afastar a eleição do mensalão. Se vai dar certo, outubro dirá.)
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