FOLHA DE SP - 05/09
Fatma Nabil, âncora da TV estatal egípcia, apareceu vestindo um véu no noticiário do meio-dia do último domingo. Durante 30 anos, sob o regime laico de Hosni Mubarak, o hijab era peça proibida para apresentadoras.
Para os religiosos, ao levantar a proscrição, o presidente Mohamed Mursi promove a liberdade, dando a cada mulher o direito de decidir se vai vestir-se com modéstia, como determina o Alcorão. Já para os secularistas, a novidade é só um primeiro passo no plano de assalto ao poder acalentado por Mursi e seus companheiros da Irmandade Muçulmana.
Não sou uma pessoa particularmente religiosa. Na verdade, vejo com desconfiança todos os que proclamam agir sob inspiração de um suposto criador, mas não entendo a marcação cerrada do Ocidente, em especial de alguns movimentos feministas, contra os véus.
Não me entendam mal, defendo com ardor a retirada de símbolos religiosos que o Estado coloque em espaços públicos, como é o caso dos crucifixos em nossos tribunais e até dos "hujub" na TV estatal. Mas eu paro no poder público. Não creio que seja legítimo forçar um cidadão a abrir mão de utilizar adereços religiosos. Trata-se, afinal, da mais elementar das liberdades civis, que é a de possuir uma individualidade e exprimi-la pacificamente.
Pode-se argumentar que, em certos casos, a mulher se enfia num manto por imposições machistas de pais, irmãos e da sociedade. Mas, a menos que eliminemos até as versões mais fracas do livre-arbítrio, precisamos acreditar que mulheres de nível universitário que não apanham em casa e dizem querer usar o véu estão exprimindo sua vontade.
No fundo, o que está em jogo aqui é se agendas coletivas, personificadas no Estado, têm prevalência sobre o indivíduo ou vice-versa. De minha parte, penso que o Estado contemporâneo deve servir ao indivíduo, e não o contrário, como sempre foi a regra.
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