A população aparenta estar com os olhos fechados para a política, e os candidatos parecem fingir que não são políticos
Em alguns dias, nossa população voltará às urnas para escolher prefeitos e vereadores em todo o Brasil. Olhando para trás é difícil não perceber que os episódios eleitorais estão se tornando cada vez mais rotineiros, sem a carga de drama e de tensão tão comum no passado.
Nas cidades grandes e médias, que concentram a maior parte da população urbana, os antigos antagonismos e polarizações se dissolveram e quase já não se reconhecem as identidades políticas.
Passando os olhos pelas pesquisas de opinião, não é fácil identificar tendências que permitam alguma interpretação comum dos sentimentos dos eleitores. Cada cidade parece estar tecendo a sua história, sem uma nítida conexão com a política nacional. Alguém pode dizer que isso é natural, pois o que está em jogo são questões puramente locais. Será essa a razão?
Nos tempos que antecederam o fim do regime militar e nas eleições que se seguiram à redemocratização, as disputas municipais refletiam as forças que se defrontavam no cenário nacional, e os temas das campanhas seguiam as agendas dos principais grupos políticos.
Votar no PT, no PMDB ou no PFL fazia uma diferença que ninguém abria mão de expressar. Hoje, percebo que essas diferenças estão praticamente ocultas e o tom das campanhas, por si só, não nos permite identificar o campo político do candidato.
Ao final da convenção do Partido Democrata nos Estados Unidos, na Carolina do Norte, Barack Obama afirmou, com razão, que nas eleições de novembro os norte-americanos serão chamados a escolher entre duas visões antagônicas de mundo, com consequências profundas e duradouras.
Algumas pessoas acham que essa é uma realidade negativa, que reflete uma sociedade dividida. No entanto, a política só tem sentido e utilidade quando as pessoas não conseguem, espontaneamente, chegar a um acordo sobre as questões essenciais que afetam suas existências. Ela provê os instrumentos e os processos pelos quais -por meio da discussão, da mobilização de maiorias e de recuos e compromissos- os grupos sociais vão progressivamente tecendo consensos.
Mas, para que haja política, não basta que existam apenas as instituições formais da política. É necessário que haja vida cívica, que as pessoas se disponham a conciliar seu isolamento individual com um mínimo de participação ativa, pois os bens que a política deve produzir, principalmente a liberdade e a cidadania, não são de apropriação individual e só se desfrutam coletivamente.
A poucos dias das eleições, sinto que a população das cidades está com os olhos fechados para a política. Os candidatos parecem fingir que não são políticos, nem sequer falam de política. Prefeitos devem ser gestores dos seus municípios, mas gestores políticos, o que não é a mesma coisa que um gerente de uma empresa privada. Devem lidar com necessidades infinitas e recursos limitados -por isso, devem fazer escolhas que terão um inevitável custo humano.
Devem ser capazes de soprar energia na alma da sua comunidade, para que a cidade não seja apenas uma multidão de estranhos, que não se veem e não se falam, que temem o outro e aspiram apenas proteção e isolamento.
Precisam ser capazes de infundir nas pessoas um senso de coletividade e uma visão compartilhada de futuro. Mas, para que esse prefeito possa existir, é preciso que o povo da cidade queira que ele exista.
É preciso que, diante da escolha eleitoral, as pessoas deixem de ser "eu" e se transformem em "nós". E esqueçam, nessa identidade coletiva, da sua rua e do seu bairro, pensando na cidade como uma coisa viva, em que tudo tem uma função e um sentido. Pensem na cidade como uma realidade que evolui em direção ao amanhã e que tudo o que nela se faz ou se deixa de fazer afeta o futuro. E é nesse futuro, nessa cidade, que estarão os nossos filhos e os nossos netos.
Por isso, deveríamos votar para prefeito com a mesma gravidade como votamos para presidente da República.
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