FOLHA DE SP - 29/09
Certos clichês dão ar de conhecimento e erudição ao interlocutor. Porém, muitas vezes são simples bobagens.
É comum ouvir, por exemplo, que a cidade de São Paulo tem o terceiro maior Orçamento do país. É o típico clichê dito e repetido em época de eleição. Mas não é o terceiro, é o sexto. A União e os Estados de São Paulo, Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul têm Orçamentos maiores. São Paulo tem problemas suficientes que dispensam o espalhamento de mentiras que deem medidas de sua grandeza.
Outro clichê mentiroso típico de épocas de eleição é "São Paulo é uma cidade que cresceu sem planejamento". Distorções e desigualdades paulistanas não são causadas por falta de planejamento. Ao contrário, são por causa dele.
Bernardo José Maria de Lorena, administrador colonial português que governou a Província de São Paulo em fins do século 18, fez o que ele chamou de "um plano para guiar a cidade em seu crescimento". Isso em 1792, 220 anos atrás.
No fim do século 19, a cidade ganhou marcos urbanísticos importantes, como a avenida Paulista (1891) e o viaduto do Chá (1892). E, no começo do século 20, surgiu o Código Arthur Saboya, que impôs limites de altura aos prédios do chamado "centro novo", atual praça da República.
E, assim, a cidade vai se dispersando em vez de se adensar. Na década de 1930, chegou o plano de avenidas do prefeito Francisco Prestes Maia. Em 1927, a Câmara Municipal havia rejeitado um projeto da Light, concessionária dos serviços de bonde e de energia elétrica, de criar a primeira linha paulistana de metrô, mais ou menos no traçado da linha 4-amarela.
Como se vê, a cidade tinha, sim, um plano: crescer para a periferia, construir avenidas e desprezar o transporte de massa. A primeira linha de metrô só chegou na década de 1970. Cidade Tiradentes, um enorme conjunto residencial que amontoou pobres na longínqua periferia da zona leste, é da década de 1980.
Agora, São Paulo corre atrás do prejuízo. Um clichê (este verdadeiro) diz que o maior movimento de massa da história da humanidade ocorre todos os dias na zona leste de São Paulo: 3 milhões de pessoas (um Uruguai inteiro) vão para o centro de metrô pela manhã e voltam à noite, esmagados nos vagões da linha 3-vermelha do metrô.
Também virou clichê dizer que precisa ter mais moradia no centro e mais emprego na periferia. Pode ser. Mas basta? A pesquisa DNA Paulistano, do Datafolha, mostra que 67% dos moradores da zona leste trabalham na própria zona leste. Proporcionalmente, é mais do que no centro, onde 62% não precisam sair da região para trabalhar.
Parece tarde para São Paulo. Mas, para não fugir de clichês, antes tarde do que nunca.
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