Talvez seja até um bom sinal, em país acostumado a dizer que "tudo termina em pizza", a circunstância de que tanta coisa, agora, alcance o Supremo Tribunal Federal.
Constitui evidente exagero, todavia, que a polêmica sobre o livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, necessite da intervenção do STF para ser dirimida.
Ainda não se chegou a acordo definitivo sobre o tema, na audiência de conciliação promovida nesta semana pelo ministro Luiz Fux. De um lado, o Ministério da Educação não concorda em sustar a distribuição da obra nas escolas públicas. De outro, representantes do movimento negro veem racismo em expressões usadas pelo autor quando se refere a Tia Nastácia.
Parece faltar equilíbrio em muitas dessas manifestações. Em primeiro lugar, não se trata propriamente de "censura" ao clássico infantil. "Caçadas de Pedrinho" continua a circular livremente.
Em segundo lugar, há sinais de racismo em vários escritos de Monteiro Lobato. Num trecho de sua obra adulta chegou a referir-se à presença de uma "pretalhada inextinguível" no país. Comparando Nastácia a uma "macaca de carvão", no momento em que a cozinheira sobe às pressas numa árvore, sem dúvida o livro "Caçadas de Pedrinho" desperta conotações racistas -ainda que o mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides), notável pela agilidade, tenha pelagem aloirada.
O recurso a notas explicativas e materiais auxiliares poderia perfeitamente evitar, se é que existe tal risco, o reforço de uma mentalidade racista entre os alunos. Mais que isso, seria estímulo interessante à discussão do tema.
Para alguns setores do movimento negro, não é suficiente. Com parcela de razão, argumentam que nem sempre os professores da rede pública estão preparados para desenvolver esclarecimentos satisfatórios sobre o assunto.
E sobre vários outros, cabe acrescentar. A lembrança não exclui, entretanto, a comichão censória que tantas vezes acompanha o espírito politicamente correto. Julga-se eliminar o racismo recalcando, e não dissecando, suas manifestações.
A audiência de conciliação registrou, ao que se noticia, alguns avanços, mas ainda se reivindicam "medidas concretas" para que os professores da rede pública sejam devidamente preparados para tratar de "Caçadas de Pedrinho".
Há algo de ridículo nessa insistência, e não há conciliação possível quando uma das partes está mais interessada em manter a discussão para além do que seu âmbito, restrito e pontual, permite.
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