O ESTADÃO - 09/09
No seu último artigo (Herança pesada, 2/9), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso cunhou a expressão "desorientação da política energética", que retrata bem a atual situação do setor de energia no Brasil. Em artigo publicado aqui, no Estado (23/7, B2), chamei de falta de visão estratégica. Essa desorientação energética ou falta de visão estratégica é um dos fatores que explicam o alto custo da energia e estão levando determinados segmentos do setor ao colapso, afastando investimentos privados e incentivando indústrias a irem para outros países.
Senão, vejamos: no segmento de exploração de petróleo, a mudança do marco regulatório após o anúncio do pré-sal trouxe a estagnação e retirou a Petrobrás da rota da excelência.
Trouxe a estagnação porque o novo marco regulatório abandonou o tripé estabilidade regulatória, segurança jurídica e respeito às regras de mercado. Isso fica claro quando o novo marco promove um tratamento discricionário a favor da estatal, dando-lhe um mínimo de 30% dos blocos que forem leiloados no pré-sal e o monopólio da operação, e também não realiza mais leilões. A falta de leilões tirou o Brasil da rota de investimentos das empresas petrolíferas. Voltar a fazer leilões é voltar a colocar o Brasil na rota dos investimentos das empresas petrolíferas. Imaginem quanto dinheiro o País perdeu de arrecadação de bônus de assinatura nos últimos quatro anos - calcula-se algo em torno de US$ 1 bilhão por ano -, quantos empregos deixaram de ser criados e os investimentos privados que poderiam ter sido realizados.
Retirou a Petrobrás da rota da excelência na medida em que promoveu um processo de capitalização da empresa politizado, congelou os preços da gasolina e do diesel e partidarizou a gestão da estatal. Ou seja, usou a empresa como instrumento de política industrial, econômico e político-partidário. Isso tem promovido uma reação dos acionistas minoritários, em especial fundos de investimentos estrangeiros, que já questionam uma presença no Conselho de Administração da empresa, substituindo os atuais que não representariam verdadeiramente os minoritários, e põem em dúvida, também, se a Petrobrás, diante da atual política de preços, terá condições de cumprir o plano de investimentos anunciado para os próximos quatro anos.
No segmento dos combustíveis o estrago é grande e está levando ao colapso. Os números chamam a atenção. De 2009 a 2011 o crescimento do consumo de gasolina foi de 57% e o do diesel, de 27%, enquanto o do etanol caiu 34%. No primeiro semestre de 2012 o consumo da gasolina aumentou 13%; o do diesel, 7%; e o do etanol despencou 17%. As importações de gasolina cresceram 427% quando comparamos os primeiros sete meses de 2012 com os de 2011.
E por que isso ocorreu?
Em resumo, o governo resolveu criar uma política de incentivo à venda de automóveis e não fez nenhum planejamento no sentido de aumentar a oferta de combustíveis, nem os fósseis, tampouco os renováveis. O pior é que essa falta de planejamento fará o Brasil permanecer como importador de combustíveis nos próximos dez anos. Caso o etanol permaneça com a atual fatia de mercado e o consumo de gasolina cresça 4,5% ao ano até 2020, as importações aumentarão em mais de 600%. Esse volume extraordinário de importação de gasolina e diesel está levando a um colapso na logística e infraestrutura do setor e poderá ocasionar um apagão de combustíveis no País. A falta de planejamento também está levando ao fim do etanol, como ocorreu com o álcool nos anos 1990.
O que fazer para reverter essa situação?
A medida principal seria o governo permitir que a Petrobrás adotasse uma política de preços, baseada na tendência dos preços do mercado internacional. Isso incentivaria investimentos privados em três setores: refinarias, terminais de importação de derivados e biocombustíveis. A solução é fácil se houver vontade política.
O mercado do gás natural também sofre com a desorientação energética. O consumo está estagnado nos últimos três anos e a causa principal é o poder de monopólio da Petrobrás. A estatal insiste numa política de preços que torna inviável a competitividade do gás, incentiva a troca por outros combustíveis e, o pior, leva as empresas a mudarem suas instalações para países onde o gás natural é mais barato, como é o caso dos Estados Unidos, do México e da Colômbia, por exemplo. O preço do gás natural está inviabilizando a petroquímica, a indústria de fertilizantes e a de cerâmica, entre outras.
Isso se repete no setor de energia elétrica. Faz sentido que um país onde a quase totalidade da sua eletricidade é gerada com água tenha uma das tarifas mais caras do mundo? E o pior: com a exigência de reservatórios a fio d"água e a insistência em realizar leilões nacionais com a presença de todas as fontes de energia, em que não se capturam o fator localização nem a dispersão regional, isso nos fará perder a nossa vantagem comparativa em relação a outros países pelo fato de termos uma grande diversidade de fontes energéticas, além de levar a custos crescentes na geração de eletricidade.
Tanto o governo anterior como o atual sempre chamaram a atenção para a falta de planejamento no governo Fernando Henrique Cardoso. O problema é que a solução encontrada pelo governo anterior e pelo atual para a falta de planejamento é criar mais empresas estatais - no anterior, a Empresa de Planejamento Energético (EPE), e agora, no caso das concessões de rodovias e ferrovias, a Empresa de Planejamento e Logística (EPL).
Não resolveremos a falta de planejamento com a criação de mais estatais, e sim com políticas públicas que respeitem as regras de mercado e os interesses tanto dos investidores quanto dos consumidores. Enquanto isso não for feito, permanecerá a desorientação energética, com suas graves consequências para toda a sociedade.
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