O GLOBO - 18/08
O Programa de Investimentos em Logística anunciado esta semana pelo governo federal trouxe três importantes quebras de paradigma para o setor ferroviário.
Mesmo considerando todos os percalços, atrasos e denúncias que haverá em sua trajetória, é importante levar em conta que:
1. Pela primeira vez desde Juscelino Kubitschek, introdutor da indústria automobilística, um programa de investimentos em transporte do governo Federal - com ou sem participação privada - anuncia mais recursos para ferrovias do que para rodovias.
Mais do dobro na verdade: R$ 91 bilhões para as ferrovias e R$ 42 bilhões para as rodovias, com juros, prazo de carência e de amortização mais favoráveis para as primeiras. Traduz uma opção clara do governo em favor da ferrovia e contra tudo o que representa a exacerbação do transporte automotivo: engarrafamentos, poluição, acidentes e Custo Brasil ;
2. Também pela primeira vez um programa de investimento contempla a reativação e retificação de ferrovias já existentes, algumas centenárias, como Recife-Salvador, da qual metade está hoje desativada; Salvador-Belo Horizonte, única ligação Norte-Sul em funcionamento, inaugurada em 1950; Rio de Janeiro-Campos-Vitória, também desativada pela metade .
Essas linhas, todas de bitola métrica, traçado obsoleto e péssimas condições de tráfego, deixadas de lado por décadas a fio, serão remodeladas, sinalizadas e alargadas para bitola de 1,60 metro. É fato inédito nos programas do governo, até hoje interessados apenas em inaugurar ferrovias novas.
3. O terceiro paradigma está em um dos três objetivos do Programa: "quebra do monopólio na oferta de serviços ferroviários". Qualquer operador devidamente habilitado, seja um cliente da ferrovia, uma empresa de transporte independente ou mesmo um concessionário já estabelecido, poderá comprar faixa horária em qualquer das 12 linhas incluídas no programa e ali colocar seus trens com sua carga e seus maquinistas, mais ou menos como qualquer empresa de transporte rodoviário pode operar, pagando o pedágio, em qualquer rodovia.
O Brasil passou toda a segunda metade do século XX sem cuidar das suas ferrovias, que envelheceram e perderam para o transporte rodoviário e aeroviário boa parte do seu mercado. O concessionamento do final dos anos 90 permitiu o surgimento de organizações empresariais eficientes e modernas, que melhoraram muito o desempenho das ferrovias existentes, mas não foram capazes nem de construir ferrovias novas nem de atualizar milhares de km de linhas antigas sob sua gestão.
O transporte de passageiros acabou, a carga geral passou toda para o caminhão e os concessionários se concentraram - como seria de esperar - nos nichos mais lucrativos, representados pelo transporte de minério, soja e outros granéis de exportação. Com isso, dois terços da malha ferroviária brasileira, já diminuta para o tamanho do território, ficaram subutilizados. É o que o novo programa pretende modificar, abrindo a exploração das ferrovias a novos e múltiplos concessionários. Que venham todos.
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