FOLHA DE SP - 18/08
No Brasil, temos vivido uma continuidade que alimenta uma ampla zona de consenso na sociedade
Sociedades muito divididas por visões ideológicas conflitantes paralisam seus governos e impedem que façam as escolhas necessárias. O exemplo que vem logo à mente é o dos Estados Unidos, onde graves problemas da economia e do Estado deixam de ser enfrentados porque as instituições políticas vivem um estado de impasse permanente.
Uma experiência oposta vem sendo vivida, às vezes sofridamente, pelo Brasil após a Constituição de 1988.
Repito o que ouvi do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: "O Brasil que temos hoje, e do qual temos justo orgulho, é o resultado de uma sequência virtuosa de eventos na política e na economia, que começa pela nova Constituição, passa pela abertura da economia, promovida no governo Collor, segue pela derrota da inflação e a reforma do Estado realizadas no meu governo, e avança com as políticas sociais de inclusão do governo Lula".
Concordo com o ex-presidente. Essa tem sido a nossa vantagem. Muito diferente do que ocorre na maior parte de nosso continente, onde ou se tem a obsessão da continuidade, que suprime a alternância enriquecedora, ou então a alternância conflituosa, que se esgota em destruir ou desqualificar o que passou. No Brasil, temos vivido, apesar das retóricas diferenciadas, uma continuidade substantiva que alimenta, por sua vez, uma ampla zona de consenso na sociedade.
O anúncio nesta semana do grande programa de concessões ao setor privado de rodovias e ferrovias, aos quais se seguirão novas concessões ou parcerias em portos, em hidrovias e em aeroportos, acrescenta um novo elo virtuoso nessa sequência de fatos.
Ao ser aplaudida pela quase unanimidade da opinião pública, dos partidos políticos e da imprensa, a ação do governo é uma demonstração de que, apesar de sermos uma sociedade diversificada e plural, somos capazes de concordar no fundamental e de sermos racionais. No mundo moderno, os governos não podem funcionar se lhes falta essa dose de acordo social.
O programa de concessões de infraestrutura é fruto de uma visão integrada dos diversos sistemas logísticos e cobre as necessidades essenciais da nossa produção econômica, unindo praticamente todas as regiões do país, similar às iniciativas pioneiras do governo Juscelino Kubitschek.
As áreas de produção do interior do Brasil serão ligadas por ferrovia a todo o sistema portuário, do Sul ao Nordeste e ao Norte, criando amplo leque de opções que vão reduzir os custos de transportar e embarcar mercadorias.
Além disso, uma rede de rodovias modernas servirá para integrar mais ainda todo o território nacional, encurtando distâncias, favorecendo os contatos e ampliando mercados.
Do ponto de vista dos produtores rurais brasileiros, esse programa é um divisor de águas.
Até aqui, o produtor abriu novas fronteiras, produzindo antes que chegasse a logística e pagando sozinho o preço da sua coragem. Os produtores vão ganhar em competitividade e, com eles, a economia brasileira.
Ao escolher o caminho da concessão à iniciativa privada, a presidente Dilma mostrou que seu objetivo é resolver problemas. A capacidade fiscal do Estado brasileiro e de quase todos os Estados modernos está ficando cada vez mais reduzida.
Não se pode mais aumentar impostos e não se pode, igualmente, negligenciar os deveres sociais do Estado com a educação, a saúde e o combate à pobreza.
Persistir na ficção de que o governo pode fazer tudo o que é necessário é escolher o atraso e a pobreza e depois a inflação e a ruína do próprio Estado. A Europa está bem aí para nos lembrar.
A sociedade brasileira precisa persistir nesse caminho. Os governos são sempre muito pressionados para servir aos interesses de corporações, grupos ou minorias. A história de sua resistência em favor do interesse de todos nem sempre fica visível à opinião pública.
No Brasil, os governantes são sempre deixados em grande solidão quando se empenham em modernizar o Estado e em romper com os privilégios. Que desta vez isso não se repita, é o meu desejo.
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