sábado, agosto 18, 2012

Cantoras que cantavam - RUY CASTRO


FOLHA DE SP - 18/08


RIO DE JANEIRO - Clara Nunes, que teria feito 70 anos nesta semana, morreu em 1983, aos 39. Muito jovem. Assim como ela, Dolores Duran morreu em 1959, aos 29; Sylvia Telles, em 1966, aos 32; Maysa, em 1977, aos 40; Elis Regina, em 1982, aos 37; e Nara Leão, em 1997, aos 42. Qual música popular perdeu, tão cedo, tantas cantoras importantes?

Exceto Dolores e Maysa, que também compunham (e deixaram clássicos), elas eram exclusivamente intérpretes -cantoras para quem os compositores escreviam e com quem contavam para lançar suas canções. Sylvia Telles, por exemplo, dedicou sua carreira a cantar Jobim. Elis Regina foi decisiva para impulsionar Edu Lobo, Gilberto Gil, Milton Nascimento, João Bosco e Aldir Blanc. Nara fez por Chico Buarque, Paulinho da Viola e Sidney Miller o que já tinha feito por Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Kéti. E ninguém tirou da zona fantasma tantos sambistas quanto Clara.

Todas eram de um tempo em que os compositores compunham e os cantores cantavam. Uma canção lançada por elas era adotada por outros cantores, replicada por grupos instrumentais, tornava-se um "standard", e a música popular inteira se enriquecia. Quando os compositores começaram a cantar, os cantores a compor e os conjuntos de guitarra a criar seu próprio material (intransferível para os cantores), esta cadeia vital se quebrou.

Ao morrer, Clara Nunes deixou órfãos os compositores que descobria nas escolas de samba -autores de joias como "Ê Baiana", "Conto de Areia", "Ilu Ayê"- e que, sem ela para cantá-los, parecem ter perdido a motivação para compor.

Só estive com Clara uma vez, em 1978, no camarim de um programa que eu escrevia para a TV Globo, "Brasil Pandeiro". Em silêncio, concentrada para a gravação que faria dali a minutos, era como se já pudéssemos ouvi-la. Como se sua música a antecedesse.

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