O ônus da tributação no Brasil é um problema que é agravado em razão da má qualidade de sua estrutura. É uma colcha de retalhos que vem sendo remendada desde a década de 1960. São dezenas de impostos e contribuições, com milhares de alíquotas diferentes. Comparações internacionais apontam que o Brasil é o país onde mais horas são gastas por empresa para satisfazer as exigências da arrecadação.
Além da manutenção de uma multidão de contadores, advogados e despachantes, existem dois custos adicionais. O primeiro é composto pelas contingências tributárias, que aparecem em razão da complexidade das normas. É um dispêndio adicional de gente, tanto do lado das empresas como do governo, para resolver divergências.
O segundo é o custo da guerra fiscal entre municípios, que usam sua autonomia para fixar tributos para atrair empresas. O usufruto dessas reduções de alíquotas exige toda uma documentação extra para provar que é verdadeira a mudança de domicílio, e uma fiscalização adicional dos governos subnacionais para penalizar os que forjam uma transferência para sonegar a tributação local.
O ponto é que esses recursos, gastos em atender à burocracia e na fiscalização de sua observância, não trazem benefícios ao País. É um desperdício de energia humana sem sentido. O pior é que o problema se está agravando em razão da tecnologia, que permite operações à distância e o comércio eletrônico. Atualmente é possível, a partir de uma única localidade, prestar serviços aos mais de 5 mil municípios, o que origina inúmeras indefinições sobre a tributação.
No setor financeiro, a complexidade é bizantina. Algumas operações, como arrendamento mercantil e assessoria, são tributadas com o Imposto Sobre Serviços (ISS), que tem alíquotas diferenciadas dependendo do município. Na intermediação também incidem o IOF, o IRF e o PIS/Cofins, gerando mais distorções e limitando seu potencial de contribuição.
Essa estrutura é regressiva: as pequenas operações pagam proporcionalmente mais tributos que as de maior valor. A razão é que, como têm custos unitários proporcionalmente maiores, pagam taxas mais altas, em que há uma incidência maior do PIS/Cofins. Tira-se mais de quem pode menos.
Outro defeito é o impacto do IOF nas operações de financiamento, que aumenta com a queda da taxa básica. O tributo incide sobre o principal, portanto, mesmo que o custo de captação fosse reduzido a zero, ele deve ser arrecadado, e a cunha fiscal no crédito continuaria positiva. Seu efeito é proporcionalmente maior quanto menor for a taxa cobrada. Uma aberração.
Uma distorção adicional do IOF é que, nas renegociações de operações, dependendo do prazo, volume e instituição, há uma nova tributação. Apesar de ser pago pelo tomador, ele é financiado e pago ao Fisco pelo banco. Portanto, no caso de não pagamento, é uma perda adicional para a instituição, o que desestimula rearranjos. Num quadro de inadimplência alta e juros baixos, como o atual, é mais um problema.
A tributação da intermediação financeira é um contrassenso, onera o crédito, emperra renegociações de dívidas, afeta mais as operações de menor valor e não estimula a poupança de prazos mais longos. Há uma solução que poderia manter o nível de arrecadação para o governo, simplificar o cumprimento da exigência para as instituições, melhorar a eficiência da intermediação financeira e, o que é fundamental, ter um efeito positivo na oferta de crédito.
A sugestão é substituir o IOF, IRF, PIS, Cofins e ISS de operações financeiras por um único imposto de valor agregado, que seria devido apenas sobre os rendimentos financeiros líquidos recebidos. Seriam tributados a uma alíquota única e compensados com o Imposto de Renda na declaração anual. O Brasil tem um conhecimento sofisticado da arrecadação com impostos de valor adicionado, em razão de sua experiência. Portanto, o Tesouro Nacional tem capacidade de implantar o tributo rapidamente e, para as instituições financeiras, seria uma tributação mais simples.
A fixação da alíquota seria calibrada de forma a que o nível de arrecadação tributária se mantenha e seria ajustada todos os anos de forma a atuar como um estabilizador ao longo do ciclo econômico. A incidência seria para quem recebe rendimentos apenas, portanto mais justa, e com a alíquota única se acabaria com a guerra fiscal entre prefeituras, que seriam compensadas com um repasse.
Há benefícios com a mudança. O mais importante é desonerar o crédito, proporcionalmente mais de operações menores. Haveria um incentivo para reestruturar dívidas, menos custos de observância com a arrecadação do imposto, mais justiça na tributação e um efeito positivo na demanda e na oferta de financiamentos e, com isso, mais arrecadação de todos os demais tributos.
Há mais deformidades na intermediação financeira, algumas que poderiam e deveriam ser corrigidas pelo governo e outras, pelos próprios bancos. É uma questão de bom senso começar a eliminar distorções. Com isso, ganha o País, e a intermediação financeira adquire mais legitimidade. Obviamente, há mais aprimoramentos que podem ser feitos na economia. Mas insiste-se em ignorar os problemas e procurar culpados.
Atribui-se a responsabilidade da queda nas projeções de crescimento do Brasil à crise mundial.
Todavia, a redução na taxa de expansão do PIB aqui é maior que a de outros países, inclusive da Europa, apontando que a responsabilidade da queda se deve mais a fatores internos, que urge consertar. Os indicadores conjunturais também sinalizam o começo de uma retomada, que poderá ser mais forte e duradoura, dependendo das correções que forem feitas. E uma questão de bom senso.
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