REVISTA VEJA
O pentatlo moderno consiste numa sequência de provas de esgrima, natação, equitação, tiro e corrida. Nada mais sem pé nem cabeça, à primeira vista. E nada mais difícil de o público acompanhar e torcer, tanto pela necessidade de enfronhar-se nas regras de diferentes esportes, na maioria obscuros ao entendimento comum, quanto de manter os olhos nos diferentes palcos em que se travam as disputas. O pentatlo moderno é estapafúrdio como seria, para uma pessoa, exibir simultaneamente as habilidades de dançarino e de orador, de torneiro mecânico, de observador de pássaros e de economista. Mas começa a soar lógico quando se conhecem sua origem e seus propósitos.
A prova foi inventada pelo próprio barão de Coubertin, o fundador dos modernos Jogos Olímpicos. Segundo se aprende nas enciclopédias, é a única inventada expressamente para figurar nos Jogos. A primeira disputa ocorreu em 1912, na Olimpíada de Estocolmo, e em quinto lugar ficou um jovem soldado americano de nome George Patton, mais tarde consagrado como um dos generais que conduziram à vitória de seu país na II Guerra Mundial. Da sargenta Yane ao general Patton — o leitor captou a conexão? Se ainda não, vamos em frente. Na Grécia antiga, o pentatlo era composto de provas de corrida, luta, salto, lançamento de dardo e lançamento de disco. O propósito da série salta mais à vista do que na versão moderna: são habilidades que conformavam o soldado ideal. Além das habilidades básicas de correr e saltar, o atleta/soldado era testado no manejo de armas, como eram na época o dardo e outros objetos passíveis de ser atirados contra o inimigo, e na luta corporal.
Com o pentatlo moderno, Coubertin quis atualizar o teste do bom soldado. Hoje tal atualização soa ultrapassada: o soldado que Coubertin tinha em mente era o do século XIX. Mas permanece o caráter militar do esporte — daí Patton, daí nossa Yane, treinada por um major do Exército, e ela própria feita sargenta. E daí também a base a partir da qual nos é permitido ir além na decifração da natureza profunda das Olimpíadas. O pentatlo, junto com a maratona, que celebra a proeza do soldado grego Feidípedes, escancara, no último dia da competição, o segredo tão bem encoberto nos dias precedentes pela cantilena de paz, concórdia e espírito olímpico: Olimpíadas são guerras. E guerras pavorosas, de todos contra todos, como no pesadelo de Hobbes. Centenas de países se digladiando, cada um por si contra centenas de outros.
Sendo guerra, a Olimpíada de Londres só podia terminar, nos tempos que correm, como terminou: com a vitória massacrante das potências nucleares. As quatro principais — EUA, China, Grã-Bretanha e Rússia — ocuparam os quatro primeiros lugares, nessa ordem. Juntas, somaram 137 medalhas de ouro. Se a esse total se adicionam as onze obtidas pela França, o quinto membro do original e imbatível clube nuclear, classificada em sétimo lugar, temos 148 medalhas de ouro — só três a menos do que a metade das 302 em jogo. É uma devastação. No day after, o que temos é paisagem lunar, poeira atômica na atmosfera, cadáveres empilhados, mortos-vivos a perambular entre ruínas.
O Brasil foi tratado como um dos mortos-vivos. Os comentaristas lamentaram o que, tudo considerado, teria sido um resultado acachapante. Bem pesadas as coisas, no entanto, tem-se que o 22° lugar obtido pelo país é bem melhor do que outros indicadores de sua posição no mundo — o 84° lugar (entre 187) no IDH, ou o 57° lugar (entre 65) no Pisa, o índice internacional de avaliação de estudantes. Na guerra de Londres, o Brasil até conseguiu refugiar-se num canto do qual lhe foi possível disparar alguns tirinhos, enquanto se esquivava do pior do contágio atômico. Um problema do país, se isso é problema, é que cinco das dezessete medalhas foram obtidas em jogos de bola (vôlei e futebol) e bola não é nem nunca foi arma. É brinquedo. Só serve para entreter soldado de folga.
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