O Estado de S.Paulo - 26/08
"É no tranco da carroça que as abóboras se ajeitam", gosta de lembrar o presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto.
Condutor das formalidades do julgamento, Ayres Britto está pronto para aplicar o lema ao impasse posto na última sessão do exame do processo do mensalão, quando o ministro relator anunciou que na segunda-feira vai contraditar o voto do revisor no episódio da contratação de serviços de publicidade na Câmara dos Deputados na gestão de João Paulo Cunha.
Pedida a réplica por Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski reivindicou a tréplica e, naquele momento, foi informado pelo presidente: a condição de revisor não o põe em posição de igualdade com o relator que continua com a prerrogativa de conduzir o processo.
É a opinião preponderante no colegiado. A insistência de Lewandowski em se "ombrear" ao relator funcionando como contraponto a ele, mesmo depois de iniciado o julgamento do mérito da ação, causa estranheza e provoca constrangimento entre os demais ministros.
"Nunca se viu uma queda de braço dessa natureza", diz um deles, ressaltando a diferença entre a normalidade das divergências entre os julgadores e atos que se configuram como fonte permanente de dissenso.
Assim tem sido visto Lewandowski. Não pelo conteúdo do voto em que discordou de Barbosa e absolveu réus condenados pelo colega, mas por estar levando ao pé da letra o termo "revisão" e, com isso, criando ambiente para um duelo de posições entre revisor e relator.
Isso preocupa o colegiado e suscita comentários sobre o risco de os outros ministros serem transformados em meros coadjuvantes do processo, relegados à condição de espectadores de uma situação já qualificada por Ayres Britto como inconveniente "vaivém de divergências".
De onde o presidente dará um "tranco" na carroça de modo que as abóboras se ajeitem até o início da sessão na tarde de segunda-feira. Ao jeito dele, ameno. "Não vou criar um caso", pondera.
Vai apenas combinar com Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski um rito de procedimento: dará a palavra ao relator, autorizará a tréplica ao revisor e, em seguida, passará a palavra à ministra Rosa Weber, primeira a votar na ordem de precedência.
Afinal, o show tem que continuar. O julgamento não pode ficar emperrado. Uma situação de pane processual é algo que o presidente não cogita nem como hipótese remota.
"As coisas não podem, nem vão, se prolongar ao interminável", assevera, para acrescentar: "O processo precisa seguir adiante porque seu propósito é chegar a uma decisão e não se deter em trocas argumentativas".
Marco Aurélio Mello concorda. Não por acaso tem alertado para a possibilidade de o julgamento se estender para muito além do previsto. Ele discorda, porém, da visão de que o relator seja a figura central.
"Não existe centralidade nem forças antagônicas em disputa, quem decide é a maioria e, nesse sentido, o colegiado precisa se manifestar."
Há consenso quanto à resolução do que os ministros chamam de "incidentes", mas há ciência também sobre os limites do contraditório, que começam a ser ultrapassados quando o antagonismo obstrui a sequência dos trabalhos.
A partir daí o desgaste recai sobre a Corte.
Retirada. O ministro Cezar Peluso tem até a última sessão desta semana para pedir antecipação do voto, já que faz 70 anos na segunda-feira, dia 3.
O deferimento por parte do presidente Ayres Britto é certo, porque o pedido não fere o regimento. Mas, a questão da forma do voto em função da metodologia do julgamento por itens será debatida pelo colegiado antes de o assunto chegar à audiência pública.
O próximo. Próximo a se aposentar, o ministro Ayres Britto faz 70 anos em 18 de novembro e não quer nem pensar na hipótese de não votar em decorrência do prolongamento dos trabalhos.
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