segunda-feira, agosto 13, 2012

O estímulo que nos falta - GUSTAVO CERBASI

Folha de S. Paulo - 13/08


Há alguns dias, em visita a uma academia da Força Aérea Brasileira, reparei em um cadete bem mais rechonchudo que os demais, que corria sôfrego e suado com um superior, em horário em que os demais se dedicavam a estudos. "Está pagando castigo, provavelmente por estar fora de forma", disse o oficial que me conduzia pela visita.

Comentei que deveria estar sofrendo, mas que, ao menos, ele tinha uma boa motivação para perder peso: ordens superiores, colegas em excepcional forma física, horário para cumprir seu desafio e um personal trainer que não largava de seu pé. Assim, qualquer um entraria em forma em pouco tempo.

Mudar hábitos é um desafio, mas se torna uma tarefa mais fácil quando somos estimulados pelo ambiente que nos rodeia. É desse estímulo que a classe média brasileira carece, quando o assunto é colocar as contas da família em ordem.

A educação financeira, que antes faltava, já está presente nos jornais, em cartilhas de bancos e nas escolas de nossos filhos.

Hoje, brasileiros estão conscientes dos erros que cometem ao comprar por impulso, ao sucumbir à sedução dos financiamentos e ao usar o caro limite do cheque especial. Querem mudar, mas não encontram estímulo para isso.

Diz o dito popular que, quando achamos que todos à nossa volta estão errados, é porque provavelmente os errados sejamos nós mesmos. Então, como abandonar o mau hábito das dívidas quando, segundo a Fecomercio/SP, 62,5% dos brasileiros estão endividados?

Como ter peso na consciência ao usar o cheque especial quando, em uma roda de chope, brinda-se a chegada do fim do mês e a entrada no vermelho, como se fosse um simples fato da vida?

Nos assuntos do dinheiro, maus hábitos estão mais do que disseminados, cegando-nos para a necessidade de mudança. Veja se algum desses comportamentos, bizarros do ponto de vista das finanças, não faz parte da sua vida:

a) Entrar no vermelho e ter no armário ou na despensa produtos adquiridos e não usados;

b) Pesquisar pelos financiamentos mais baratos, mas, por causa deles, entrar no cheque especial com frequência;

c) Comprar títulos de capitalização como se fossem investimento;

d) Comprar uma cota em consórcio como se estivesse investindo;

e) Acreditar na loteria como a solução para seus problemas;

f) Contratar um seguro para melhorar o relacionamento com o banco, e não para proteger a família;

g) Contratar um seguro de automóvel com cobertura mínima contra terceiros;

h) Emprestar o nome para parentes conseguirem crédito;

i) Assumir prestações sem ter certeza de que haverá salário para pagá-las.

São apenas alguns exemplos de práticas enraizadas na rotina das famílias brasileiras, que pesam no bolso da maioria e tornam inviáveis o consumo de lazer ou o planejamento da aposentadoria.

Para mudar esses hábitos, é preciso mais do que boa vontade. É preciso reconhecer que a maioria erra, e que ao tentarmos mudar seremos bombardeados por estímulos contrários a nossas intenções.

Como sair do vermelho com uma balada a menos no fim do mês, se seus amigos estarão todos na balada e, pior, também no vermelho? Melhor chorar junto do que sofrer mais -ao menos por algum tempo- para acabar com o problema?

O caminho é, como sempre enfatizo nesta coluna, conversar mais sobre dinheiro.

Se você tem um desafio a enfrentar e sabe que esse desafio pode ser também encarado por uma pessoa próxima, será mais fácil, para ambos, enfrentá-lo em dupla.

É nesse sentido que o debate sobre educação financeira constrói novas realidades em escolas, igrejas, condomínios e ambientes de trabalho. Mais do que disseminar a informação, o objetivo deve ser o de estimular transformações coletivas.

Aliás, se entre seus objetivos está também o de perder aquela barriguinha que tanto incomoda, que tal convocar alguns amigos para dividir com você a conta do personal trainer?

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