Uma das ironias do processo do mensalão é que, para inocentar os acusados de corrupção passiva -a saber, os deputados "mensaleiros"-, a defesa goste de citar o que aconteceu no processo contra Fernando Collor.
Collor foi absolvido no Supremo, em 1994, porque não ficou comprovada a acusação de ter pedido ou recebido vantagens em função do seu poder de realizar atos relativos a seu cargo na Presidência. O que caracterizaria corrupção passiva.
O crime está no artigo 317 do Código Penal. Aqui vai o começo do artigo, ou, como se diz, o seu "caput".
"Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem."
Se interrompêssemos aqui nossa leitura da lei, a interpretação seria a seguinte. Basta o presidente ou o deputado receberem um presente de alguém (um carro Fiat, por exemplo, ou um envelope cheio de dinheiro), e está caracterizada a corrupção.
Mas não é assim. O texto da lei prossegue em dois parágrafos. Ambos mencionam a famosa figura do "ato de ofício". Ou seja, a perspectiva de alguma ação do presidente, do funcionário público, do parlamentar, em troca do presente que ele recebeu.
A questão jurídica é que não é suficiente receber um presente para ser corrupto: é preciso que o tal presente tenha sido dado porque o presenteado pode fazer algo em troca no seu cargo, como facilitar uma concorrência ou liberar verbas oficiais para o presenteador.
Lendo os dois parágrafos do artigo 317, tudo leva a crer que é preciso mesmo especificar o "ato de ofício" relacionado ao presente.
O primeiro parágrafo diz que a pena deve ser aumentada de um terço, se esse ato implicar infração do dever. O segundo parágrafo prevê uma pena mais leve, se o funcionário praticou ou deixou de praticar o "ato de ofício" por influência de outra pessoa.
De modo que, tanto no caso de aumento da pena, quanto no caso inverso, de diminuição da pena, a lei fala em "ato de ofício".
Não seria lógico imaginar que alguém seja condenado sem menção a nenhum ato de ofício, e receba com isso uma pena até maior do que a de outro funcionário cujo ato foi plenamente caracterizado.
Dois advogados, no julgamento do mensalão, já deram o exemplo: muitos dos ministros do Supremo ganham livros jurídicos de presente das editoras.
Seria o caso de considerá-los culpados de corrupção passiva só por isso? O mais razoável seria levantar a suspeita de corrupção só se, em algum processo, os ministros passassem a decidir favoravelmente às editoras que os presentearam.
Pois bem, os deputados mensaleiros votaram a favor do governo. Isso, para a defesa, não constitui "ato de ofício". Eles votavam a favor do governo porque faziam parte do bloco governista.
Receberam o dinheiro por outros motivos (dívidas de campanha), não para fazer o que fariam de qualquer modo. Nem está provado que votaram pelo governo só por que receberam dinheiro.
Com isso, argumenta a defesa, desmonta-se a tese do mensalão.
Fico pensando no caso do ministro do Supremo que ganha os tais hipotéticos livros da hipotética editora. Suponha-se que, depois disso, vote a favor da editora num julgamento do tribunal.
O ministro, acusado de corrupção passiva, poderia dizer: "Ah, mas eu votaria de qualquer modo a favor da editora, sempre foram essas as minhas convicções, faria o mesmo se eu não tivesse recebido presente nenhum".
"Votar não é ato de ofício", diria o magistrado ensandecido. "Votar não é ato de ofício", afirma a defesa dos deputados.
Do alto de sua absolvição, Fernando Collor sorriria diante do argumento.
Mas, claro, o mensalão foi "inventado para desmoralizar o PT". O PT, que tanto queria a condenação de Collor, torce agora por quem cita o processo que o absolveu. Aprova a linha de defesa dos deputados do PP, enquanto Lula e Haddad se confraternizam com Maluf.
Isso é que é não se desmoralizar. A política é assim mesmo, respondem os petistas. Esses atos fazem parte do ofício.
Collor foi absolvido no Supremo, em 1994, porque não ficou comprovada a acusação de ter pedido ou recebido vantagens em função do seu poder de realizar atos relativos a seu cargo na Presidência. O que caracterizaria corrupção passiva.
O crime está no artigo 317 do Código Penal. Aqui vai o começo do artigo, ou, como se diz, o seu "caput".
"Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem."
Se interrompêssemos aqui nossa leitura da lei, a interpretação seria a seguinte. Basta o presidente ou o deputado receberem um presente de alguém (um carro Fiat, por exemplo, ou um envelope cheio de dinheiro), e está caracterizada a corrupção.
Mas não é assim. O texto da lei prossegue em dois parágrafos. Ambos mencionam a famosa figura do "ato de ofício". Ou seja, a perspectiva de alguma ação do presidente, do funcionário público, do parlamentar, em troca do presente que ele recebeu.
A questão jurídica é que não é suficiente receber um presente para ser corrupto: é preciso que o tal presente tenha sido dado porque o presenteado pode fazer algo em troca no seu cargo, como facilitar uma concorrência ou liberar verbas oficiais para o presenteador.
Lendo os dois parágrafos do artigo 317, tudo leva a crer que é preciso mesmo especificar o "ato de ofício" relacionado ao presente.
O primeiro parágrafo diz que a pena deve ser aumentada de um terço, se esse ato implicar infração do dever. O segundo parágrafo prevê uma pena mais leve, se o funcionário praticou ou deixou de praticar o "ato de ofício" por influência de outra pessoa.
De modo que, tanto no caso de aumento da pena, quanto no caso inverso, de diminuição da pena, a lei fala em "ato de ofício".
Não seria lógico imaginar que alguém seja condenado sem menção a nenhum ato de ofício, e receba com isso uma pena até maior do que a de outro funcionário cujo ato foi plenamente caracterizado.
Dois advogados, no julgamento do mensalão, já deram o exemplo: muitos dos ministros do Supremo ganham livros jurídicos de presente das editoras.
Seria o caso de considerá-los culpados de corrupção passiva só por isso? O mais razoável seria levantar a suspeita de corrupção só se, em algum processo, os ministros passassem a decidir favoravelmente às editoras que os presentearam.
Pois bem, os deputados mensaleiros votaram a favor do governo. Isso, para a defesa, não constitui "ato de ofício". Eles votavam a favor do governo porque faziam parte do bloco governista.
Receberam o dinheiro por outros motivos (dívidas de campanha), não para fazer o que fariam de qualquer modo. Nem está provado que votaram pelo governo só por que receberam dinheiro.
Com isso, argumenta a defesa, desmonta-se a tese do mensalão.
Fico pensando no caso do ministro do Supremo que ganha os tais hipotéticos livros da hipotética editora. Suponha-se que, depois disso, vote a favor da editora num julgamento do tribunal.
O ministro, acusado de corrupção passiva, poderia dizer: "Ah, mas eu votaria de qualquer modo a favor da editora, sempre foram essas as minhas convicções, faria o mesmo se eu não tivesse recebido presente nenhum".
"Votar não é ato de ofício", diria o magistrado ensandecido. "Votar não é ato de ofício", afirma a defesa dos deputados.
Do alto de sua absolvição, Fernando Collor sorriria diante do argumento.
Mas, claro, o mensalão foi "inventado para desmoralizar o PT". O PT, que tanto queria a condenação de Collor, torce agora por quem cita o processo que o absolveu. Aprova a linha de defesa dos deputados do PP, enquanto Lula e Haddad se confraternizam com Maluf.
Isso é que é não se desmoralizar. A política é assim mesmo, respondem os petistas. Esses atos fazem parte do ofício.
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