sábado, julho 14, 2012

Savana é bacana - ROBERTO RODRIGUES


FOLHA DE SP - 14/07

As relações entre o Brasil e o Japão no campo agrícola são históricas, bastante conhecidas e foram sempre muito bem aproveitadas por ambos os países.
A primeira delas se deu logo após as levas iniciais de imigrantes japoneses chegarem ao Brasil, pouco mais de um século atrás, e que vieram trabalhar basicamente na agricultura. Trouxeram em sua bagagem duas grandes contribuições para o agro brasileiro.

Uma foi a tecnologia para o setor hortifrutigranjeiro: novas variedades de produtos hortícolas foram acrescentadas ao nosso cardápio e nossas saladas ficaram mais ricas e variadas.

Seu trabalho resultou na montagem dos importantes cinturões verdes no entorno das grandes cidades brasileiras, dando também condições para a criação de nossas centrais de abastecimento.

E a outra foi o espírito associativo: os colonos japoneses tinham o sentimento do trabalho em conjunto. Com isso surgiram as grandes cooperativas que por muitas décadas organizaram a produção hortícola e comandaram o cooperativismo brasileiro, como a Cooperativa Agrícola de Cotia e a Sulbrasil, mais tarde desaparecidas por diversas e lamentáveis razões.

A segunda grande articulação agrícola entre o Brasil e o Japão ocorreu nos anos 70, com a "descoberta" do cerrado brasileiro, através do Programa Prodecer. Necessitando ampliar sua garantia de segurança alimentar, o Japão se associou ao Brasil para conquistar o cerrado, até então desprezado pelos agricultores nacionais. Pior que isso: havia até um dito popular --"cerrado, nem dado e nem herdado"-- que explicitava o pouco caso para com aquele bioma.

Fazia sentido: havia terra boa ainda por explorar e ninguém queria se habilitar em um território de terras pobres, onde sem corretivos e sem fertilizantes nada se produzia. Pois foi o Prodecer que abriu definitivamente as portas da vasta região. Claro que isso só foi possível com o desenvolvimento de novas tecnologias, e a EMBRAPA tem muito a ver com isso, bem como o sistema cooperativista.

Foi através das cooperativas agropecuárias existentes, inclusive a Cotia e a Sulbrasil, que o Prodecer foi implementado. Sem elas, jamais o projeto teria vingado.

E o Japão e o Brasil se beneficiaram, e muito, dessa nova fronteira agrícola.

Mas, desde então, ambos os países vêm tentando trabalhar em conjunto visando o desenvolvimento de terceiros países, sem resultados concretos. O sonho de se associarem para desenvolver regiões tropicais com nossa tecnologia e o dinheiro deles foi ficando para trás.

Até que, recentemente, a ação conjunta da Agência Brasileira de Cooperação (do Itamaraty) e da Jica japonesa decidiu desenvolver a savana de Moçambique, região muito semelhante ao nosso cerrado.

A Fundação Getulio Vargas, através da GV Projetos e do GVAgro, foi selecionada para montar o programa. A ideia é ocupar 14 milhões de hectares da região chamada Corredor de Nacala, cidade portuária de excelente calado.

O projeto é ambicioso: levar para aquela região a nossa tecnologia agrícola de alimentos, fibras e energia, bem como investir em infraestrutura e logística --de ferrovias a porto, passando pela armazenagem e a agroindústria--, promovendo uma agricultura sustentável à imagem da que criamos no cerrado.

Vamos capacitar produtores moçambicanos, especialmente os pequenos, estimular a montagem de cooperativas agropecuárias, levar investidores do Brasil e do Japão para agroindústrias. E a GV planejou a criação de um fundo financeiro capaz de alavancar recursos do Brasil e do Japão para implantar o empreendimento.

Esse fundo, recentemente lançado em Brasília, captará recursos públicos e privados nos dois países e será o trampolim para o sucesso da Savana de Nacala.

Assim como a velha ideia de que "cerrado, nem dado e nem herdado" já desapareceu há décadas do nosso cenário, seguramente em breve ouviremos outro refrão:

"Savana também é bacana, especialmente a moçambicana".

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