sábado, julho 14, 2012

Mercosul - mais turbulência a bordo - JOSEF BARAT


O Estado de S.Paulo - 14/07


O objetivo político de unir países e reduzir o potencial de conflitos na América Latina remonta ao tratado que criou a Associação Latino-Americana de Livre Comércio, nos anos 60 e, posteriormente, a Associação Latino-Americana de Integração, nos anos 80. Brasil e Argentina caminharam para o livre comércio pela Declaração de Iguaçu, de 1985. Com a adesão do Paraguai e do Uruguai, os quatro países signatários do Tratado de Assunção, de 1991, criaram o Mercosul, aliança comercial que visava a dinamizar a economia regional pela livre movimentação de mercadorias, pessoas e capitais. A evolução se daria pelo estabelecimento inicial de uma Zona de Livre Comércio (na qual os países signatários não tributariam ou restringiriam entre si as importações), convertendo-se em União Aduaneira a partir de 1995.

A associação dos quatro países como União Aduaneira almejou promover a livre circulação das mercadorias oriundas dos membros associados e adotar uma tarifa externa comum. O compromisso seria o de aplicar a mesma taxação em relação à importação de bens de países fora do bloco, eliminando a concorrência entre os associados e fornecedores. Como bloco econômico, amparado em acordos intergovernamentais - e reduzidas ou eliminadas as barreiras ao comércio -, o Mercosul poderia buscar alguma forma de governança que evoluísse, no longo prazo e por meio da uniformização de variáveis macroeconômicas, para um mercado comum e até mesmo para uma união econômica e monetária. Para dar partida à formação do bloco, a dinâmica da globalização fez a lógica econômica caminhar mais rápido que as complexas negociações políticas. A globalização - associada à acelerada evolução tecnológica da informação - alterou radicalmente as características da produção de bens e serviços. A fragmentação das cadeias produtivas (em escala regional e mundial) dispersou a produção de componentes, partes e montagens finais. A integração horizontal induziu a terceirização da produção e dos serviços, alterou os conceitos de localização e territorialidade, ampliou e tornou mais complexos os fluxos de matérias-primas, componentes e produtos. Assim, as novas cadeias produtivas impuseram pressões para eliminar barreiras fiscais e burocráticas à livre circulação de mercadorias.

Neste contexto, já se configuravam entre os quatro países cadeias produtivas fragmentadas que impunham maior fluidez na circulação de mercadorias e pessoas, ou seja, foi a dinâmica do mercado e as necessidades das empresas que buscaram a integração mais plena no comércio regional, a redução de assimetrias e a adição de valor às cadeias produtivas. Foram empresas brasileiras de porte e transnacionais (especialmente montadoras de veículos) que buscaram maior espaço para reorganizar e adicionar valor às suas cadeias de produção. O espalhamento de partes dessas cadeias acabou por forçar barganhas e negociações entre os países-membros para que pudessem alcançar bases de maior reciprocidade. Os eventuais conflitos políticos e ideológicos cederam espaço para o pragmatismo das trocas comerciais e ampliações de mercado. Houve crescimento do comércio regional na esteira do dinamismo das novas formas de produção e complementaridade econômica. Mas a prática do Mercosul acabou indo na contramão da proposta original de instituir o livre comércio, em razão de medidas protecionistas, barreiras tarifárias, dificuldades burocráticas e bloqueios de passagem das mercadorias. A consolidação de um bloco econômico exige estabilidade no ambiente político, preservação das diretrizes estipuladas em acordos e tratados e regras previsíveis. As turbulências recorrentes com a Argentina há muito tempo ameaçavam a desconstrução do Mercosul. Agora, temos a entrada de um parceiro irrequieto (tipo bem turbulento, mesmo) que, ainda por cima, ganhou o jogo no "tapetão", agravando essa ameaça. Ações políticas irrefletidas estão destruindo um esforço de décadas na direção da maior integração econômica.

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