sábado, julho 21, 2012

A erosão do sistema partidário - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 21/07


Se havia necessidade de mais alguma prova da desmoralização do sistema político-partidário brasileiro, a criação do Partido Ecológico Nacional (PEN) resolveu o problema.

A nova agremiação política, que obteve seu registro há um mês no Tribunal Superior Eleitoral, buscava adesões entre parlamentares que desejavam mudar de partido - o prazo final para essa transição era o dia 19 passado, e o PEN havia tido pouco sucesso, com a filiação de um deputado federal e cerca de 30 estaduais. É, em resumo, mais um partido nanico a tomar dinheiro do contribuinte e a obter meios de barganha com tempo de TV.

A lei que dispõe sobre a criação de partidos diz que todas as legendas têm direito a um pedaço do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, conhecido como Fundo Partidário. Ou seja: não há necessidade nem de ser bem votado para garantir o financiamento. Um partido nanico como o PRTB do notório Levy Fidelix, por exemplo, fez jus a mais de R$ 1,5 milhão no ano passado.

Ademais, se obtiver a votação mínima exigida para continuar a ter existência na Câmara dos Deputados, o partido ganha o direito de veicular, uma vez por semestre, em cadeia nacional de rádio e TV, um programa de 20 minutos. Também tem direito a um programa por semestre em cadeia estadual. A lei dá ainda aos partidos inserções de até 1 minuto em redes nacional e estadual, somando 40 minutos por semestre. É um patrimônio nada desprezível, considerando-se que a exposição na TV se tornou mais importante do que considerações programáticas - como provou o histórico aperto de mão entre o ex-presidente Lula e o ex-prefeito Paulo Maluf.

O PEN, portanto, fez um negócio de ocasião, recompensando o esforço pessoal de seu criador, o ex-deputado estadual paulista Adilson Barroso Oliveira. Ele chegou a incluir quatro irmãos, sua mulher e um filho no diretório nacional do partido, para "fazer número" e viabilizar a criação da legenda. Regularizado, o PEN, que terá o número 51 nas urnas a partir da eleição de 2014, agora começa a encerar o balcão onde pretende receber seus fregueses.

Em seu site, o partido diz que vai "preencher um espaço vazio no cenário político brasileiro" e que seus projetos "afastam-se do campo político para aproximarem-se do campo ecológico". O PEN também diz que ainda não decidiu se fará ou não oposição ao governo federal, mas parece claro que será mais um abrigo para insatisfeitos de partidos da oposição que planejam aderir à base de apoio de Dilma Rousseff.

É um discurso que emula o "idealismo" do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, ao criar seu Partido Social Democrático (PSD), aquele que "não será nem de direita, nem de esquerda, nem de centro". Mas as semelhanças acabam aí. Enquanto Kassab e congêneres almejam participar do Grande Jogo, os nanicos desejam apenas explorar as brechas do sistema para auferir ganhos de outra espécie. Nada que chegue perto do lucro do PP de Maluf, que desde seu embarque na candidatura de Fernando Haddad (PT) tornou-se o segundo partido com mais verbas destinadas pelo Executivo a projetos previstos no Orçamento. O PEN, certamente, será mais modesto.

Tudo isso seria quase nada se não refletisse a erosão do sistema político, que há anos clama por reformas. A lei de criação de partidos diz que eles devem destinar-se a "assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo". Com seu matagal de siglas e sua leniência jurídica, esse modelo parece ter se tornado refém de oportunistas, que exploram suas falhas e fazem pouco de suas leis - como mostram as autuações por propaganda eleitoral irregular, cujo valor é tão insignificante que os candidatos infringem sistematicamente as normas e pagam as multas como se fossem despesas correntes de campanha.

O PEN e seus assemelhados não são apenas galhofas inocentes. Eles são um dos sintomas da deliberada desestruturação institucional da democracia brasileira, com vista a manter um arremedo de representatividade que mal esconde projetos de perpetuação no poder de uns e a ganância de outros.

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