segunda-feira, junho 18, 2012
A Rua da Palha - JOSÉ DE SOUZA MARTINS
O Estado de S.Paulo - 18/06
Quem diria que a movimentada Rua 7 de Abril teve um dia nome de manjedoura de presépio, o de Rua da Palha! Era o tempo de gente bruta, como o morador que, em 1865, recebeu de espada na mão o cobrador de uma dívida. Tempo de problemas hoje impensáveis, como, nos dias de chuva, o do lamaçal pisoteado pelas patas dos burros que puxavam os bondes, espirrando lama nos transeuntes e paredes. Em 1882, era do que reclamavam seus moradores. O calçamento só seria autorizado em 1895. Aberta no fim do século 18, era caminho principal para a "cidade nova", quando a São Paulo caipira atravessou o Ribeirão Anhangabaú pela Ponte do Lorena (perto de onde é hoje a estação do metrô) e alcançou o Morro do Chá.
Saindo do centro, o percurso que se fazia é descrito, em 1881, por um cidadão que perdera seu relógio de prata, com corrente de ouro e platina, indo da Rua do Ouvidor (atual José Bonifácio), descida do Piques (Riachuelo), Largo da Memória e Rua da Palha, em cuja casa n.º 1 morava (hoje esquina de Xavier de Toledo e 7 de Abril).
Numa ponta, teve a Rua da Palha o Largo da Memória, onde ainda se situa o obelisco de 1814. Em 1873, a reduzida vida comercial do arrabalde se concentrava ali. Foi quando a Câmara mudou o nome da Rua da Palha para 7 de Abril, regozijo 43 anos atrasado pela abdicação de Dom Pedro I. Mas para o povo a rua continuou sendo da Palha.
Em 1878, havia quem nela vendesse escravos. Era rua de gente simples, vendas, fabriquetas e cocheiras. Em 1907, tinha um prostíbulo perto da Xavier de Toledo, onde se matou um jovem marceneiro. Há notícia de outro para os lados da Praça da República, em 1914. Ainda existiam quando da Revolução de 1924. Famílias alugavam quartos excedentes para pensionistas. Talvez por isso, em 1909, alguém oferecesse uma sala para alugar, advertindo, porém, de que era "para senhora honesta", em "casa de família séria".
Após a abertura do Viaduto do Chá, em 1892, houve nela residências de gente abonada, casas com piano, cristais e móveis franceses, penicos de louça. Os modestos ainda se mesclavam por ali com os bem situados.
Dona Yayá. Moradora riquíssima, jovem, órfã e solitária, dona de meio quarteirão entre a 7 de Abril, a Xavier de Toledo e a Bráulio Gomes, foi Dona Yayá. Carola e generosa, tendo recusado casamento com o filho de um tutor ambicioso, foi vítima de uma maquinação de que resultou sua declaração como louca em 1919.
Seria confinada por 41 anos em casa-prisão na chácara de sua propriedade, no bairro do Bexiga, até sua morte em 1961. Sem herdeiros, a Justiça mandou entregar o que restava de sua herança de milhões de dólares à Universidade de São Paulo, que em sua memória transformou sua antiga prisão em Casa de Dona Yayá, um centro cultural na Rua Major Diogo, aberto aos moradores, com seu belo e largo jardim.
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