O GLOBO - 19/06
Há mais de 300 anos, um poeta inglês chamado William Congreve ganhou o direito de ser lembrado até hoje ao afirmar que não há fúria no inferno tão forte quanto a de uma mulher desprezada. A sua frase pode ser uma boa epígrafe para o registro do mais recente escândalo político de Brasília.
No nosso caso, há na verdade duas women scorned . São a ex-mulher, Isabela Suarez, do deputado João Carlos Bacelar, do PR baiano, e a sua irmã, Lilian, que está brigando com ele por questões de herança. A primeira contou para a outra que o ex-marido administrava um rendoso negócio de compra de emendas parlamentares ao Orçamento no Congresso. E Lilian imediatamente botou a boca no trombone. Denunciou não só o irmão como dois deputados e um ex-deputado que apresentaram emendas parlamentares beneficiando redutos eleitorais de Bacelar.
A denúncia pode ir longe, de duas maneiras. A primeira será um reforço considerável na investigação iniciada no ano passado pelo Ministério Público Federal e a Controladoria Geral da União sobre as emendas de Bacelar. Reforço, a propósito, aparentemente indispensável, como se percebe por declarações de deputados como o líder do PT, Jilmar Tatto, e o do PMDB, Henrique Eduardo Alves: ambos se declararam tão indignados como surpreendidos pelas denúncias. Não é possível duvidar da surpresa - mas parece evidente que os eleitores podem cobrar de ambos um pouco mais de atenção no serviço.
E ganha força, a propósito, uma proposta radical, do deputado Miro Teixeira: acabar com as emendas individuais e de bancada ao orçamento. Considerando-se que existe no Congresso um animado comércio de emendas, comprovado em reportagem recente do GLOBO, pode ser a única forma de dar mais eficiência - para não falar em honestidade - aos recursos públicos.
Mas melhorar o sistema é apenas parte da solução. A Câmara está devendo ao eleitorado, antes de mais nada, uma investigação séria sobre outras iregularidades, como a compra de emendas: deputados financiam as campanhas de candidatos e estes pagam essa generosidade com a apresentação de emendas de interesse dos padrinhos.
É, sem dúvida alguma, um comércio sujo. O Conselho de Ética da Câmara anunciou que vai investigá-lo, assim que um partido fizer um pedido a respeito, o que, parece, deve acontecer esta semana. É curioso que não possa fazê-lo por sua própria iniciativa. Um interessante ponto de partida para a investigação poderia ser a lista de presentes de Natal de Bacelar: em 2010, por exemplo, ela incluia 57 funcionários públicos e autoridades da Esplanada dos Ministérios. É espírito natalino que não acaba mais.
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