O ESTADÃO - 03/06
Fila de banco. Dois senhores com ar distinto, um atrás do outro. Os dois engravatados, respeitabilíssimos. O senhor de trás nota um desenho colorido nas costas da mão do senhor da frente e pergunta:
– Neto?
– Neta – diz o outro.
– Eu também – diz o primeiro, mostrando um desenho nas costas da própria mão.
– Ela diz que é uma borboleta. Eu não acho nada parecido com uma borboleta, mas vou discutir com ela?
– A minha insiste que isto é um gato de chapéu, e não quer ouvir o contrário.
– Não aceitam críticas.
– No outro dia, eu disse: “Que bonito, você fez uma pintura abstrata...” Ela não quis saber de pintura abstrata. Era um sapo vermelho no meio de um lago azul, eu não estava vendo?
– Elas ficam bravas.
– Ficam. Só falta nos chamarem de burros. E quando a gente vai lavar a mão para tirar a tinta?
– Fazem um escândalo. Estamos destruindo as suas obras de arte.
– A sua pinta, o seu rosto também?
– Pinta. Diz que é maquiagem. Há dias eu estava dormindo a sesta e quando acordei estava com o rosto todo pintado. Pó, batom, blush, tudo que ela pega da mãe dela.
– A minha só usa o batom. Mas passa batom em todo o meu rosto, menos nos lábios. Na ponta do nariz, nas faces... Faz desenhos com batom na minha testa e exige que eu nunca mais lave o rosto.
– Não é formidável?
– É fantástico.
– Vou confessar uma coisa. Eu não sabia o que era a felicidade até o dia em que minha neta desenhou cabelos na minha careca com tinta preta. Foi um escândalo em casa. Mas como, sujando a cabeça do vovô desse jeito?! Ela explicou que era para tapar a careca, para o vovô ficar mais bonito. Botaram ela de castigo, ameaçaram jogar fora as suas tintas, foi uma choradeira só. E eu feliz da vida. Olhe só, ainda tem um resto de tinta aqui...
– Elas são maravilhosas...
– Mas depois crescem.
– Tem isso. Crescem depressa demais. Começam a achar avô chato...
– Eu me vejo daqui a poucos anos andando atrás da minha e pedindo: “Não quer pintar a mão do vovô?”
– É . “Pinta o rosto do vovô de palhaço, pinta”.
– Vamos ter que pedir por favor.
– E elas nada. E daqui a pouco são umas mulheres feitas...
– A verdade é que ser avô dura muito pouco.
– Muito. Temos que aproveitar o momento, que passa rápido. Aproveitar antes que desbote.
– Como uma pintura na mão.
– Isso. Olha, acho que aquele guichê ficou livre.
– Vou lá. Muito prazer, viu?
– Prazer.
Um comentário:
Estou na fase da espera. O meu neto chega em agosto. Espero por tudo isso. Vou adorar todas as delícias da vóternidade. Quero ser mãe duas vezes, quero ser vó que mima, que adula, que briga, que educa, que guarda segredos, que tudo. Ai......
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